Acredita que Leiria tem o que é necessário para ser Cidade Europeia do Desporto em 2022?
Sim, pelo dinamismo das suas associações e dos seus dirigentes, por todo o talento que as pessoas têm e pela adesão colectiva a este benefício, que é a prática do exercício físico.
Essa adesão mudou radicalmente ao longo dos últimos anos na cidade.
Se compararmos com Leiria de há duas décadas, é completamente diferente. Fruto, também, de uma relação que o Polis criou com a cidade. As pessoas vivem Leiria através do exercício e assim também se reúnem, socializam e usam o desporto como factor de coesão do território e das suas gentes.
A candidatura divulgou um valor surpreendente: mais de metade da população do concelho pratica actividade física.
São 57%. Até para mim foi uma enorme, mas agradável surpresa. Não é uma estimativa, foi medido à pessoa. Temos os dados dos que frequentam ginásios, escolas de dança, o programa Viver Activo, quantos estão inscritos nas piscinas ou que fazem desporto escolar, universitário ou federado. O único número que foi estimado – e subestimado – foi o de caminhantes. Havia um dado com mais de dez anos, ainda da Leirisport, que dizia que cerca de 33% das pessoas que praticavam actividade física ou desportiva faziam caminhada. E nós colocámos 15%. Resultou em 10 mil pessoas e não temos dúvidas de que serão mais.
Está muito acima da média nacional.
É um valor absolutamente surpreendente e que nos coloca ao nível dos melhores países da Europa. Em Portugal não chega a 30% e nós temos mais de 57%. Colectivamente, fomos valorizando o papel do desporto e da actividade física enquanto factores de promoção de saúde. Também há um reforço, ao longo dos últimos anos, das políticas de investimento, que tem levado ao crescimento da adesão ao desporto federado. Apesar da luta desigual com as novas tecnologias, conseguimos aumentar esse número em quase 40%.
Há alguma faixa etária com trabalho por fazer?
Sim. Devemos proporcionar à população sénior as melhores condições para que possam praticar actividade física, porque contribui de forma significativa para a sua qualidade de vida, quer seja ao nível das condições de saúde – porque quem tem doença melhora essa condição – mas também como factor de prevenção e, sobretudo, para combater uma outra pandemia que vivemos, a pandemia da solidão. Temos um programa que é direccionado à população sénior, o Viver Activo, mas gostava que todas estas pessoas pudessem integrá-lo, independentemente da condição. Nem todos têm de fazer natação. Outros podem fazer boccia ou caminhadas.
Voltemos à Cidade Europeia do Desporto. O que vai mudar na vida dos cidadãos de Leiria?
Há uma coisa que tem mesmo de mudar, que é a percepção do desporto. As pessoas já valorizam pela adesão, mas tem de haver um reconhecimento maior. Temos de valorizar o desporto e colocá-lo com a importância que ele efectivamente tem na sociedade. Não é para nós fundamental aquilo que as pessoas pensavam, que vinha aí o grande evento. A candidatura nunca foi organizada nessa lógica. A nossa prioridade é o desporto para todos, onde todos têm a possibilidade de praticar aquilo de que gostam, seja de forma recreativa, lúdica ou mesmo desportiva. Devemos criar condições, seja em infra-estruturas ou no apoio ao desenvolvimento de actividades, para que seja possível.
Que tipo de eventos pretende então privilegiar?
Já temos alguns dos chamados grandes eventos, como a Taça da Liga de futebol, a Taça da Europa de Lançamentos e tantos outros que vamos continuar a organizar. Depois, haverá uma componente importante ao nível da formação. Vamos trabalhar para ter grandes eventos formativos em Leiria, com nomes relevantes, para capacitar o melhor possível todos os agentes formadores do concelho. Mas a área que mais nos interessa é o desporto para todos. Em 2017, tínhamos 2.300 pessoas a participar no Leiria Run, o evento que consideramos que liga melhor as questões da família, da cidade, do património e da comunhão com o desporto. No último ano em que pudemos realizar, em 2019, tivemos 3.500 pessoas e fechámos as inscrições com um mês de antecedência. É isto que nos satisfaz: que as pessoas adiram, se divirtam, que tragam a família e façam uma vivência colectiva da cidade.
[LER_MAIS]Pode avançar com um número estimado de eventos?
Serão 600 a 700 eventos, mas não serão todos novos. Nada disso! Com o tecido associativo, organizamos 400 a 500 eventos por ano. Vamos querer ter mais alguns, daí os 600 a 700, número que achamos que será atingido com naturalidade.
Quanto vai custar a Leiria ser Cidade Europeia do Desporto?
Terá o orçamento que a câmara já tem para o Desporto, que tem crescido imenso. Posso dizer-lhe que nos últimos cinco anos cresceu quase 400%. No ano passado, entre actividades e investimento directo para o associativismo, andou por volta dos 2 milhões de euros. O nível de apoio à prática federada tem crescido de forma sustentada, há clubes que recebem três ou quatro vezes mais, mas não se pode pensar que vai continuar a subir assim. Chega um momento em que estamos no ponto de rebuçado.
Que outras despesas haverá?
Vamos gastar algum dinheiro na captação de eventos formativos e desportivos para a cidade, que ainda não posso quantificar. Não consigo avançar com um número redondo. Será dinâmico em função dos projectos que nos forem apresentados. Posso dizer que vamos lançar alguns programas de apoio a projectos ou actividades que sejam destinadas a promover o desporto nas suas várias vertentes. Vamos fazê-lo de duas formas: cinco projectos de 20 mil euros cada um e outros 20 programas de 5 mil euros, com objectivos menos ambiciosos. Toda a comunidade pode candidatar-se e será uma comissão independente que avaliará.
Há muitos clubes quase destruídos pela pandemia. Confia que neste meio ano vão recuperar a tempo de serem um parceiro fiável?
Esta pandemia foi uma tormenta, muito desafiante para todos, e agradeço todo o envolvimento que o movimento teve. A Câmara Municipal não retirou um centavo ao apoio que tinha ao associativismo. Todo o dinheiro que tínhamos destinado ao desenvolvimento da prática desportiva colocámo-lo ao dispor dos clubes. E no último ano e meio, em articulação com o movimento associativo, investimos mais de um milhão de euros em contratos-programa. Estão a ser construídos dois pavilhões novos do movimento associativo em parceria com a Câmara, do Clube Atlético de Regueira de Pontes e da União Desportiva da Serra. Estamos a finalizar o das Cortes e a iniciar o dos Marrazes. Um Município ter quatro pavilhões em construção é obra, mas podemos falar de todo o parque que foi requalificado. Fizemos um grande investimento nos pavilhões da Maceira e dos Pousos, todas as nossas instalações têm agora iluminação LED e estamos a substituir as caldeiras com incremento das energias renováveis em todos. Há as piscinas, o estádio recebeu grandes investimentos e por isso somos tão apetecíveis para a realização de todo o tipo de eventos. Os clubes, ao nível das infra-estruturas, estão mais preparados do que nunca para serem o nosso parceiro.
Referia-me aos dirigentes desportivos benévolos que com esta interrupção de um ano se podem ter afastado.
Já visitei bastantes clubes neste regresso e 80% das pessoas já regressaram ao sistema desportivo federado, o que me deixa contente. Mas também há muitas caras novas. Uns vão começar a trazer outros e acredito que dentro em breve o nosso patamar de participação estará até um pouco acima do que estava. As pessoas foram forçadas a ir para dentro de suas casas e agora querem ir para fora, porque reconhecem os benefícios que traz. Há clubes que até têm mais atletas do que antes da pandemia. De todos aqueles com quem tenho falado todos regressaram, há apenas um que está com algumas dificuldades e vamos tentar ajudar.
Como pensa criar a sua equipa de trabalho para este projecto?
A minha responsabilidade é organizar o projecto tão bem quanto saiba até ao limite de Outubro. Depois há um novo ciclo que se pode abrir ao nível do executivo. A obrigação de quem cá está é organizar todo o projecto e a lógica programática, porque quem chegar em Outubro não poderá ter tudo por fazer para começar logo em Janeiro. Quem estiver em funções executivas terá de imprimir novas dinâmicas ou manter as mesmas. Isso, só o tempo irá dizer.
Nõ pensa liderar o projecto?
Genuinamente, as pessoas não são importantes, o projecto é que é. Não pode ser só de uma pessoa, tem de ser de toda a cidade. Foi sempre um desígnio colectivo dar esta visibilidade ao desporto e não faz sentido falarmos em pessoas.
Mas conta fazer parte da lista de Gonçalo Lopes às Autárquicas.
Terá de lhe perguntar primeiro e terei de decidir depois.
Ainda não falaram sobre isso?
Não.
Desportista ecléctico como a cidade
Nascido no ano de 1973 em Pedrógão Grande, Carlos Palheira fez o ensino secundário em Tomar e o superior em Lisboa. Caló, como é conhecido pelos amigos, é professor de Educação Física e está há 15 anos no quadro da Escola Correia Mateus, em Leiria, cidade onde reside há duas décadas e é vereador do Desporto desde 2017. O principal mentor do projecto Cidade Europeia do Desporto para 2022 é casado e tem o terceiro filho a caminho. Antigo treinador de basquetebol do Basket Clube do Lis, de Ortigosa, é um verdadeiro apaixonado pelo desporto, sendo admirador confesso de todas as modalidades “desde que bem jogadas”. Praticou andebol, basquetebol, atletismo e futsal. Em qual se destacou? “Em nenhuma. Era muito ecléctico, mas não tinha esse nível.”
O documento de reflexão Leiria 2030, apresentado pelo Município e assinado por Carlos André, faz um retrato muito negativo do desporto no concelho. Fala em teimosia no atletismo, que o andebol é uma memória e que a alta competição não deve ser uma prioridade.
É uma ideia de um ilustre leiriense, a sua opinião, mas não me revejo nem considero ajustada. Foquemo-nos apenas no andebol. Tem equipas em todos os escalões, em femininos e masculinos, equipas nos campeonatos nacionais. Chegamos ao topo da pirâmide, aos seniores, temos uma equipa na 1.ª Divisão e duas na 2.ª Divisão. Temos vários atletas internacionais, inclusivamente nos seniores. Se isto é uma memória, ainda bem que temos memórias e presentes destes.
O atletismo tem formado atletas olímpicas.
Claro, e a Auriol Dongmo sagrou-se campeã da Europa do lançamento de peso treinando em Leiria e por um leiriense, o que muito nos orgulha. Foi uma opinião muito redutora e espero que a Cidade Europeia do Desporto nos ajude a mudar a percepção da realidade. Era importante o professor Carlos André ir à próxima Gala do Desporto e perceber se é uma memória ou se é uma realidade. Verá a qualidade das pessoas.
É inevitável que os melhores atletas de Leiria, que até treinam na cidade, não representem os clubes da terra?
Não sei se é inevitável. O caminho tem de ser traçado e não com um horizonte curto. Os projectos quando são curtos têm tendência a desmoronar-se cedo. Quanto mais pessoas metermos na base mais fácil será chegar ao topo da pirâmide desportiva se isso for um desejo, que para mim nunca poderá ser uma prioridade. A prioridade é criarmos condições para os projectos lá chegarem, mas não pode ser a Câmara a alicerçar a sua política desportiva alimentando o topo da pirâmide com recursos para salários, nem há quadro legal que o permita.
Odivelas, Cidade Europa do Desporto em 2020, tinha na Casa da Ginástica a sua obra emblemática. Leiria também terá a sua?
Leiria tem a sua, que as pessoas valorizam imenso, mas ninguém reconhece como uma obra emblemática, que é o Polis. É o maior espaço de prática desportiva que se pode ter, com tudo o que tem conexo. É o grande elemento transformador e o que mais nos agrada. Vamos ao Polis a qualquer hora e está cheio de gente. Uma parte já foi intervencionada, vai agora entrar em concurso a requalificação da segunda fase, em moldes semelhantes. Haverá uma outra fase, a que nos estamos a candidatar a fundos europeus, que levará até à foz todo o percurso Polis pela mota do rio Lis. Avançará também um trajecto em direcção à nascente, pelo menos até às Cortes, que está também em fase de desenvolvimento. Haverá também o pavilhão inclusivo das Cortes, uma instalação diferenciadora, o primeiro pavilhão do País que cumpre todas as questões da inclusividade.
Passados todos estes anos, a construção do estádio valeu a pena?
Não estou a julgar a bondade da decisão. É o que temos e precisamos de valorizar e manter. Fosse qual fosse a decisão em relação ao estádio não era demolido que se extinguiria a dívida. Tendo como património, é um desafio mantê-lo em boas condições: Foi – e é – um instrumento vital neste apoio ao combate à pandemia. Teve o drive-thru, o centro de despistagem, o centro de recolha de sangue, o centro de vacinação e quem entra pela primeira vez fica surpreendido com a qualidade.
A velha questão da inexistência de um pavilhão no centro continua a incomodar e está por resolver.
O pavilhão desportivo, o pavilhão multiusos ou os dois no mesmo edifício é uma falta que penaliza mais a cidade do que o desporto. Faz falta e Leiria terá de ter.