Os comandos sub-regionais de Emergência e Protecção Civil foram criados no início deste ano. Quais as vantagens desta nova orgânica?
A maior vantagem tem a ver com a proximidade. Anteriormente havia 18 distritos. Agora são 24 sub-regiões, logo existe uma maior proximidade dos comandos sub-regionais aos corpos de bombeiros e aos serviços municipais de Protecção Civil. Na nossa reestruturação temos seis municípios de Leiria, seis municípios de Lisboa e 16 corpos de bombeiros. Não é uma estrutura pequena, mas também não é muito grande e dá para aperfeiçoar questões operacionais e administrativas e tentar uniformizar procedimentos, no que diz respeito à resposta. Temos uma população acima dos 360 mil residentes. No entanto, sabemos que o Oeste, felizmente, atrai muita gente, nomeadamente pelos eventos que faz e pelos 110 quilómetros de costa. Em determinadas alturas do ano duplicamos ou triplicamos esse número, o que aumenta a importância na preparação do socorro.
Como será a articulação a nível distrital?
Não há diferença a nível operacional, porque a articulação vai-se manter. Por exemplo, numa ocorrência de pequenas dimensões na Marinha Grande, Pataias, que é o corpo de bombeiros mais próximo, irá sempre actuar, seja a nosso pedido, seja a pedido de Leiria. A diferença está apenas na mobilização de meios e reporte de pontos de situação, que para os corpos de bombeiros do Oeste, passou a ser feito para o Comando Sub-Regional do Oeste e não para Lisboa ou Leiria. Em ocorrências de maior dimensão, acreditamos que a sub-região do Oeste vai ser muito mais exportadora de ajuda do que importadora. Nos incêndios rurais, a maior preocupação do distrito de Leiria estava a norte e o braço armado eram estes corpos de bombeiros do Oeste. Vão continuar a sê-lo, com a vantagem de ainda estarmos reforçados com os corpos de bombeiros de Lisboa. A subsidiariedade entre os corpos de bombeiros e o Sistema de Emergência e Protecção Civil vai- -se manter sempre, independentemente da configuração. Importante é garantir que o socorro chega o mais rápido possível e devidamente coordenado. Nesse aspecto, acabamos por dar uma resposta mais eficaz, tendo em conta as infra-estruturas de ligação entre os 12 municípios do Oeste.
Quais as principais preocupações em termos de protecção civil?
Temos muitos eventos de grandes dimensões que nos preocupam. O campeonato do mundo de surf, as ondas gigantes da Nazaré, o Carnaval em Torres Vedras, a proximidade a Fátima ou os eventos em Óbidos, entre muitos outros. Associado a tudo isso, a zona costeira ou os acidentes também nos preocupam, principalmente devido a fábricas de matérias perigosas. A A1, a linha férrea por onde passa muita matéria perigosa, a A8 e o IC2 também são preocupa ções no que diz respeito aos acidentes rodoviários. A nível de incêndios florestais, temos alguns pontos identificados, nomeadamente a Serra do Montejunto e uma parte da Serra dos Candeeiros.
Já estão a preparar a próxima época de incêndios?
A nossa primeira linha de orientação foi começar a reunir com todas as entidades que colaboram para os sistemas de protecção e socorro em Portugal. Nessas visitas, já estou a tentar perceber qual será a capacidade de resposta para o Verão. Ainda não consigo dizer qual vai ser o efectivo. No entanto, o que me tem sido reportado é que conseguem garantir o mesmo que há um ano. Estamos a colocar os corpos de bombeiros de Leiria e de Lisboa, que agora integram a comunidade Intermunicipal do Oeste a trabalhar mais em conjunto e a trazer o melhor dos dois lados. Estamos todos no mesmo território, temos todos a mesma formação, mas depois acabamos por ter formas de trabalhar diferentes. O que se pretende é criar laços entre os elementos de comando e entre os bombeiros.
Quais as principais preocupações dos corpos de bombeiros?
Tem a ver com recursos humanos e a lei do financiamento para trocarem a frota e recuperarem veículos. No que diz respeito aos combustíveis, há dois anos que o Governo paga na totalidade todo o combustível a preço de custo, desde que seja em socorro. Nas reuniões tentamos perceber as boas práticas para angariar novos bombeiros e, mais importante, mantê-los. Esse é o principal desafio. O Governo e a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil [ANEPC] têm feito esforços para haver alguma profissionalização nos corpos de bombeiros voluntários, através das equipas de intervenção permanente e do INEM nas ambulâncias de socorro. No entanto, acaba por não responder a tudo. Continuamos a precisar muito do voluntariado e também não se pretende que o voluntariado acabe. O que se pretende é criar sinergias em que consigamos ter uma pronta resposta ao socorro e que não estejamos dependentes só do voluntariado, mas também de pessoas que sejam remuneradas e aí surge o profissionalismo.
Como se evita a saída de voluntários?
Poderia passar por incentivos que fossem transversais a todo o território nacional e que viessem do poder central, como por exemplo no IRS. É preciso que a pessoa pense: fui para os bombeiros e não tive de estar a pagar. A nível de juventude é difícil competir com o que temos. No entanto, poderá haver um apoio no ensino superior, não só no público como no privado, com os valores adequados à realidade. Por outro lado, se quisermos ter profissionais competentes, temos de ser mais flexíveis com os voluntários e não pode haver uma rigidez no cumprimento de horas. As pessoas têm de fazer o mínimo, mas dentro da sua disponibilidade. Depois, defendo que se deve direccionar as pessoas para aquilo em que se sentem mais à vontade e para o qual estão mais qualificadas. Não interessa ter um médico que não se sente à vontade para ir para incêndios, mas pode fazer ambulância. É uma polivalência mais reduzida, mas é exequível. Outra preocupação demonstrada pelos corpos de bombeiros prende-se com a não existência de uma carreira para os bombeiros que são funcionários das associações. Ou seja, cada associação tem a sua definição de progressão e de remuneração.
Como está o parque automóvel dos bombeiros do Oeste?
Está a ficar envelhecido. Temos o número suficiente de meios, mas o ideal era substituir alguns por veículos novos. Alguns deles tentam não sair para não avariar. E isso não resolve, porque os carros precisam de sair. Até porque depois, quando saímos, estamos sujeitos a que eles não estejam em condições. De acordo com a análise do risco de cada um dos municípios era importante garantir que os corpos de bombeiros na área de intervenção do município têm direito a financiamento para ter x carros e x operacionais para o socorro. Depois se a associação quer ter transporte de doentes não urgentes, entre outras fontes de rendimento, tem, mas é um negócio à parte do socorro. É um caminho que tem vindo a ser trilhado, seja no financiamento mais justo seja num financiamento transversal a todos.
Há mais meios, evolução tecnológica, mas também alterações climáticas. O combate aos incêndios rurais é hoje mais fácil ou mais difícil?
É mais difícil, por diversas situações. A primeira tem a ver com a maior carga de combustível disponível no território e, por sua vez, a falta de descontinuidade em áreas problemáticas, porque a agricultura desceu da serra para a planície, para um trabalho mais facilitado, através de máquinas, e as zonas mais complicadas passaram a estar densamente ocupadas por matos ou floresta, mais abandonadas ficaram. O grande desafio do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais passa por ter incêndios menos graves, que não atinjam as dimensões e a gravidade do que tivemos em 2017, porque os incêndios nunca vão acabar. Paralelamente a isso, temos as alterações climáticas, que têm cada vez mais uma preocupação acrescida, nomeadamente a periodicidade das ondas de calor, que tem vindo a ser muito maior e ao longo de todo o ano. Associada a estas, temos também os ventos fortes, e períodos de seca prolongados. Não é que não existissem ventos antigamente, mas a condição de disponibilidade dos combustíveis actualmente no território é muito maior, o que faz com que os incêndios arranquem muito mais rapidamente e com saltos a maior distância, nomeadamente em zonas sem qualquer tipo de vegetação, como por exemplo em auto-estradas ou em caminhos de ferro. Estamos cada vez mais bem equipados e o número de bombeiros no Dispositivo de Combate a Incêndios Rurais tem vindo a crescer ao longo dos anos.
Em termos da limpeza da floresta, tem havido sempre campanhas para que as pessoas limpem, mas o próprio Estado também não devia dar o exemplo?
Devia e dá. Não é suficiente aos olhos de todos. Estamos a falar num território, onde mais de 90% é privado. Estamos a falar de zonas onde se fazem faixas de interrupção de combustível, mas ao fim do ano já está pronto de novo a arder. Estas faixas de interrupção de combustível têm de ser geridas seja por pastoreio, mas não há pastores, nem animais em número suficiente para dar resposta às necessidades, seja por agricultura ou então retirar tudo com regularidade, o que é um trabalho inglório e não o desejado. Com meios do Estado é claramente insuficiente fazer esta gestão em todo o território. E mesmo contratualizando há falta de resposta. É feito um trabalho extremamente exigente pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que muitas vezes não produz efeitos. Em incêndios de pequena dimensão, o fogo chega a estas faixas de interrupção de combustíveis e pára. Agora num incêndio grande, podemos ter tudo limpinho, e estamos a falar de faixas de 120 metros de descontinuidade, e ele salta. É inglório, porque se fez um trabalho brutal e acabou por não resolver. Mas, felizmente, temos casos de sucesso. Este é um problema de todos nós, seja de quem tem a propriedade, seja do cidadão que não tem propriedades mas que também tem de adoptar comportamentos adequados à problemática dos incêndios, seja de nós protecção civil e bombeiros, que temos de estar cada vez mais preparados para esta realidade, e principalmente dos nossos governantes, para canalizar políticas de intervenção, bem como de financiamento.
Não se aprendeu com os incêndios de 2017?
Aprendeu-se muito. Não sei é se surtiu efeito na nossa sociedade. Façamos este raciocínio: posso ter uma casa no espaço rural ou florestal, é giro, é verde, mas o espaço envolvente tem de estar gerido. Temos falta de cultura de segurança e essa cultura deverá começar na escola. Imagine que temos um acidente na A8, em Caldas da Rainha. Ligam a dizer que há um acidente e desligam o telefone. A A8 tem várias entradas, sentido norte-sul, sul-norte, quantas vítimas temos para saber quantas ambulâncias é preciso levar, há encarcerados ou não, estão conscientes ou não, o carro está a arder? Se as pessoas estiverem preparadas para dizer: estou na A8, no quilómetro 22, sentido Óbidos-Caldas, vejo duas vítimas, uma delas responde a outra não. O trânsito está a circular normalmente, quem vai dar resposta sabe que meios tem de enviar. Não sabemos utilizar um extintor ou o DAE [Desfibrilhador Automático Externo]. Mas vamos ao centro comercial e estão lá estes equipamentos e poderemos ter de os usar. Se começássemos a ter formação na escola, com uma hora por semana, quando chegássemos ao 12.º ano sabíamos ligar 112, fazer primeiros socorros, fazer reanimação, utilizar o DAE e num incêndio florestal saberíamos como nos proteger. São todas estas coisas, entre muitas outras, que nos faz ter uma cultura de segurança. Poderíamos dar uma melhor resposta se todos soubéssemos o nosso papel e como é que poderíamos contribuir. Ao longo dos anos temos tido várias fatalidades de civis nos incêndios rurais, e muitas delas apenas por falta de conhecimento do comportamento a adoptar neste tipo de eventos, minimizando os comportamentos de risco.
Portugal tem apoiado catástrofes internacionais. É o reconhecimento da qualidade da formação?
Sim. Puxando novamente para os incêndios rurais, se calhar, é das situações que mais criticamos, mas das que mais evoluímos. E prova disso são os colegas que estão agora no Chile e quando chegarem farão o reporte comparativo do trabalho que fizerem e do que viram fazer das forças de outros países. Continuamos a ter muito trabalho pela frente. É de louvar este trabalho, porque é feito por voluntários. No entanto, o profissionalismo que temos em algumas forças também começa a sobressair e faz a diferença. É simples dizermos a uma estrutura profissional ‘queremos isto’ e acontece. Dizer a uma estrutura voluntária pode não haver disponibilidade para acontecer. No entanto, esta força conjunta faz sentido. Temos áreas que carecem de outro rigor. Um sismo é algo que não acontece com regularidade, logo não estamos tão oleados. O maior desafio da Protecção Civil é estarmos preparados para aquilo que raramente acontece. Os incêndios acontecem todos os anos e vamos aperfeiçoando o processo. Felizmente, os sismos acontecem de longe a longe e treinar pessoas para uma coisa que pode nunca acontecer é difícil.
Formado na ‘escola’ dos voluntários de Óbidos