Depois de três quilómetros de caminhada matinal, sentada agora entre outros idosos, “Quitas” canta e alegra-se, dirigida pela animadora social da Casa do Povo de Calvaria de Cima, em Porto de Mós. Maria Antunes Jorge, de 90 anos, a senhora “Quitas”, como todos a conhecem, é uma das mais antigas utentes do Centro do Dia desta Casa do Povo e uma das mais antigas testemunhas de como, ao longo do tempo, esta instituição soube adaptar-se às necessidades que a comunidade foi manifestando.
Quando, há cerca de 50 anos, “Quitas” deixou Angola com o marido e se fixou na Calvaria de Cima, começou desde logo a passar pela Casa do Povo, onde “pagava uma quota mensal, para mais tarde receber a reforma”, recorda a antiga costureira. “Durante uns tempos esteve mais parada, mas agora tem estes serviços todos. Acho que se tornou numa coisinha muito boa. Fazemos aqui [LER_MAIS]muitas amizades e somos todos unidos”, salienta “Quitas”.
A Casa do Povo de Calvaria de Cima é uma das 1.300 existentes por todo o País, contabiliza José Novais, presidente da Confederação Portuguesa das Casas do Povo. Passaram 91 anos desde que, a 23 de Setembro de 1933, foi publicado o decreto-lei que veio criar estas instituições. José Novais explica que, em 1990, estabeleceram-se as condições para a progressiva criação dos Serviços Locais de Segurança Social, com a transferência de pessoal das Casas do Povo para a Segurança Social.
Com a criação dos Serviços Locais de Segurança Social, apenas a Previdência das Casas do Povo foi extinta, porque, juntamente com os funcionários, passou para a Segurança Social. Mas a instituição Casa do Povo continuou, com o estatuto de Instituição Particular de Solidariedade Social, contextualiza o presidente.
Com o surgir da Segurança Social, as comunidades deixaram de frequentar regularmente as Casas do Povo. Nessa altura, “alguns dirigentes tiveram boas ideias, iniciativas para manter os sócios. Outros deixaram cair os braços e essas Casas do Povo deixaram de estar activas”, recorda o responsável pela confederação. No entanto, realça José Novais, as 1.300 Casas do Povo nunca se extinguiram. Mantêm património, contas no banco, as suas bandeiras e o seu número de identificação fiscal, exemplifica.
“Pós-25 de Abril, formaram-se muitas associações desnecessariamente, porque as suas actividades podiam ter sido desempenhadas pelas Casas do Povo”, defende. Mas, como acontece em todas as instituições, as Casas do Povo com directores “mesquinhos e velhos” não se adaptaram, observa o presidente.
“As Casas do Povo são instituições que representam história, memória, cultura, recreio, lazer, social, saúde e podem desenvolver ou criar actividades próprias, ou em parceria, em qualquer freguesia da sua área de jurisdição”, frisa o responsável pela confederação. Continuam a representar “um movimento muito activo e nalguns locais estão a regressar Casas do Povo que já não tinham órgãos sociais há décadas”, orgulha-se José Novais.
Cerca de 100 Casas do Povo têm protocolos com a Segurança Social, mais de 20 têm as suas próprias bandas filarmónicas e promovem desporto federado, nota o presidente.
Apoio a crianças e idosos
A Casa do Povo de Calvaria de Cima é disso exemplo. Os primeiros registos da instituição, enquanto pessoa colectiva, surgem em 1980, embora esta tenha surgido muito antes desta data. Da sua história faz parte o esforço conjunto da população, que durante anos dinamizou actividades, cujas verbas permitiram edificar a sua sede, num terreno doado por um concidadão, Eduardo Oliveira Guerra.
Há cerca de 10 anos, quando atravessava constrangimentos financeiros e dificuldade em encontrar sucessão na liderança, surgiu uma nova direcção, mais jovem, formada por um número maior de pessoas nos órgãos sociais (22, entre elementos fixos e suplentes). Hoje, a Casa do Povo, presidida por Leonel Louro, tem registado grande dinâmica.
América Virgílio, vice-presidente, explica que esta instituição tem várias valências: centro de dia (com 15 utentes); apoio ao domicílio (35 utentes); acordo com a Câmara de Porto de Mós para a confecção de refeições para as Escolas Básicas de São Jorge e de Calvaria de Cima, num total de 220 almoços servidos diariamente. Além da direcção, composta por voluntários, esta instituição emprega 23 pessoas. Encontros, festivais, karaté ou ginástica de manutenção são outras das formas de criar laços entre esta Casa do Povo e a comunidade, acrescenta América Virgílio.
Jovens voluntários na direcção
Estela Nunes, presidente da Casa do Povo de Fátima, refere que a instituição foi fundada em 1969, por Luís Vieira Marques, tendo também ela cumprido tarefas de Segurança Social. Quando perdeu estas funções, valeu à Casa do Povo de Fátima manter o seu rancho folclórico, que garantiu a dinâmica da instituição do ponto de vista cultural. “O rancho celebrou 47 anos dia 11 de Setembro e mantém-se activo até hoje”, nota Estela Nunes.
Ao longo do tempo, além do rancho folclórico, com grupo de adultos e com grupo infantil, a Casa do Povo foi promovendo outras actividades, entre as quais danças latinas, zumba, karaté, yoga, taças tibetanas, ginástica. Ainda este ano, irá avançar com ginástica sénior, adianta a presidente.
A Casa do Povo de Fátima tem actualmente cerca de 250 sócios activos, sendo esta condição essencial para participar nas actividades. Estela Nunes, de 36 anos, educadora social de profissão, integra os órgãos sociais de forma voluntária, como todos os elementos que com põem a direcção. Realça que se trata de uma direcção relativamente jovem, que está a dar continuidade ao trabalho feito pelos anteriores dirigentes, sempre em ligação com a comunidade. A animação feita pelo rancho folclórico da Casa do Povo em várias unidades hoteleiras da região, com bailarinos voluntários, é também uma forma de ligação à comunidade e uma importante fonte de receita, explica a presidente.
Promoção da cultura e do desporto
Bruno António e João Patrício, presidente e vice-presidente da Casa do Povo de Monte Real, explicam que esta instituição foi fundada em 1936, como local onde os trabalhadores tratavam de assuntos sociais. Foi uma entidade que sempre se manteve activa, com um rancho folclórico e, em tempos, até com uma cooperativa de consumo.
Anterior à própria criação da Casa do Povo de Monte Real é o seu grupo de teatro amador, constituído em 1935, e que ainda hoje é solicitado para actuar em hotéis da região, notam os dirigentes. Actualmente, a instituição está muito voltada para a dinamização da actividade desportiva. “Fomos sempre muito ligados ao desporto: atletismo, corta-mato, pesca desportiva, damas, xadrez, ciclismo, andebol e chegámos a ter futebol 11.
Desde há um ano, temos também pilates clínico, para todas as idades”, refere Bruno António. “O próprio Grupo Desportivo de Monte Real, que é hoje uma entidade independente, começou por ser uma das secções da Casa do Povo”, realça o presidente. Vice -campeã nacional, nos anos 50, a secção de ténis-de-mesa da Casa do Povo de Monte Real continua muito activa, com equipa A, B e C.
Nos últimos anos, “com boa classificação a nível regional”, referem os dirigentes. Temporariamente encerrado para férias, o bar desta Casa do Povo é também um importante ponto de convívio entre várias gerações, sublinham os responsáveis.