“Falta pouco, muito pouco. Mas é no ‘pouco’ que reside o problema.” É assim que José Ramalhal Lopes, vogal na Direcção da Fundação Casa-Museu Mário Botas, resume o processo que tem levado ao adiamento, sine die, da abertura ao público da sede e dos espaços expositivos da instituição, na Nazaré.
Quando abrir portas, o bonito e imponente edifício de imaculado branco, situado a dois passos do mar, junto ao edifício dos Paços do Concelho e da Junta de Freguesia da Nazaré, irá acolher boa parte da obra de Mário Botas, talentoso e consagrado artista plástico nazareno, que, até agora, está ao cuidado do Museu Colecção Berardo, no Centro Cultural de Belém.
Afinal, o que falta para abrir o espaço, cuja construção, foi iniciada em Julho de 2002? Neste momento, apenas que a Presidência do Conselho de Ministros, órgão responsável pela gestão dos destinos das instituições de substrato patrimonial – i.e. as fundações -, proceda à aprovação de uma alteração aos estatutos da Fundação, explica a Direcção.
“O terreno onde o imóvel foi construído era propriedade da família Botas, porém, há uma parcela de mais de 200 metros quadrados que era propriedade da autarquia. Ora, no documento de cedência, a Câmara da Nazaré introduziu uma cláusula de reversão do espaço, caso, no futuro, a fundação se extinga. E ela está a impedir que se lavre um registo único da matriz predial”, conta António Jesus Fialho, vogal que, actualmente, assume o cargo de presidente interino da Direcção, enquanto Rúben Cabral, docente universitário e presidente da Fundação, se encontra a trabalhar na Nigéria, onde está a criar uma universidade.
Já por duas vezes, nas Conservatórias de Alcobaça e Nazaré, foi tentado o registo único e definitivo, mas o processo esbarra sempre na cláusula. A solução foi solicitar à autarquia que retirasse a tal alínea do documento de cedência, pedido que foi rapidamente aceite.
Do lado da Fundação foi prometida a introdução de um artigo nos estatutos, que garanta o retorno da propriedade do terreno à Câmara. E aqui está o busílis da questão.
Fialho sublinha que o pedido foi feito a 10 de Setembro de 2019, com carácter de urgência, mas até agora não houve qualquer resposta do Governo. E sem a introdução do texto, não há matriz única, não há licenças, não há inspecções, não há aprovações, mas há muita, muita, muita burocracia e tempo à espera.
“Sentimos que o assunto está bloqueado em simples questões burocráticas”, lamenta António Jesus Fialho.
Edifício concluído e preso por detalhes
Em 2016, a Direcção fez uma “abertura simbólica” para que os nazarenos pudessem visitar as paredes vazias, mas concluídas, do edifício, alvo como as penas de uma gaivota que contempla o azul do mar, mas com os pés na areia dourada da Praia, e assim se interessassem pelo destino do espólio de um dos mais famosos filhos da terra.
Como o JORNAL DE LEIRIA pôde verificar, o edifício está concluído, faltando apenas as referidas autorizações pendentes do registo do imóvel, e a colocação do material museográfico e de cerca de 150 obras escolhidas para a exposição permanente ilustrativa do trabalho de Botas.
“Mário Botas viveu apenas 30 anos. Apenas 30! Mas quando descobriu, aos 22, que tinha leucemia e não havia hipóteses de cura, isolou-se numa casa em Sintra, durante cinco meses. A maior parte da sua obra resulta desse tempo”, diz José Ramalhal Lopes.
A Fundação entregou, para conservação, um espólio de cerca de 650 obras à Colecção Berardo, tendo encontrado vários desenhos e pinturas esquecidos, na antiga casa do artista em Lisboa.
O pintor Jaime Silva está a trabalhar a parte expositiva. O edifício da fundação será decorado com a biblioteca pessoal – onde podemos encontrar livros de Gorki, Thomas Mann, Baudelaire, Afonso Lopes Vieira ou Mário de Sá Carneiro, com anotações, dedicatórias e papelinhos com pensamentos soltos, perdidos entre páginas -, peças de mobiliário de Botas e da sua família, sendo que algumas delas já estão no espaço.
Haverá também, com toda a certeza, um espaço dedicado à fotografia, uma das grandes paixões do pintor, onde este retratou família, amigos, as cidades que visitava, ele próprio e as gentes da terra, banhadas pela luz especial da Nazaré.
Em busca de rendimento
Na base das fundações está o património. É ele que permite que a instituição possa cumprir os seus objectivos estatutários que resultam, no caso da Fundação Mário Botas, da vontade testamentária do artista nazareno.
Até agora, o edifício já custou 2,2 milhões de euros, incluindo os trabalhos de manutenção de há dois anos. A construção recebeu [LER_MAIS]financiamento do programa europeu FEDER, que custeou metade do total, cerca de 100 mil euros da autarquia e “nem um tostão do Estado”, salientam os elementos da Direcção.
“Não recebemos um cêntimo do Estado e os nossos recursos são escassos, pelo que, aquilo que temos ou obtemos, temos de aplicar com parcimónia”, afirma António Jesus Fialho. Além das suas obras e de alguns imóveis com “rendas baixas”, segundo assegura a Direcção, será preciso procurar mecanismos que permitam um rendimento constante para operar o edifício, divulgar a obra de Botas e de outros artistas, para contratar pessoas para os serviços administrativos e pedagógico e para a necessária e eventual investigação ao espólio.
Do lado esquerdo do amplo e luminoso átrio, há um espaço reservado para a criação de um café cujo imaginário assentará na arte e em Mário Botas e que deverá ser arrendado por concurso a uma entidade que o pretenda explorar.
No nível térreo do edifício de cinco pisos, uma grande sala central, com disposição de auditório e 90 lugares sentados, que poderá também ser arrendada com o intuito de se fazer formações, oficinas e organizar outros eventos.
O primeiro andar conterá uma mostra permanente com obras de Botas, havendo espaço ainda para exposições temporárias de artistas locais, nacionais e estrangeiros, conforme a vontade expressa por Mário Botas no seu testamento.
Os restantes pisos dividem-se em funções e objectivos. No piso mais alto, estão os gabinetes e salas da Direcção, espaços para residências artísticas e para estudo do espólio do pintor. E há terraços de lazer e mais salas para exposições e formações, sempre com os olhos fixos no oceano.
A cave do espaço pode ser usada como armazém de obra de arte e documentos de outras instituições, em virtude de ser um espaço climatizado, com condições especiais de humidade, constantemente monitorizadas.
A Fundação espera também auferir algum rendimento pelo arrendamento como depósito de espólio de outros organismos.