As previsões são assustadoras. Estima- se que, nos próximos 35 anos, as infecções resultantes de bactérias resistentes aos antibióticos sejam “responsáveis pela morte de 10 milhões de pessoas por ano”, tornando- -se numa causa de morte “maior do que o cancro”.
Ora, é para ajudar a travar esta “ameaça à saúde pública” que Ana Jorge está a trabalhar. Natural de Leiria, a investigadora integra o Departamento de Biologia da Infecção da Universidade Tübingen, na Alemanha, que procura conhecer melhor a bactéria Staphylococcus aureus, uma das principais causas de infecções hospitalares resistentes a antibióticos.
Ana Jorge lidera uma das quatro equipas do departamento, cada uma com a missão de estudar a mesma bactéria, mas em diferentes perspectivas. “O ambiente multidisciplinar do grupo é uma mais valia para o avanço dos diferentes projectos, como a interacção bactéria-hospedeiro humano, microbioma do nariz humano (local onde esta bactéria coloniza sem causar problema), parede celular ou lípidos bacterianos”, explica.
A equipa coordenada pela investigadora portuguesa, que integra estudantes e técnicos de laboratório, está responsável pelo estudo da “membrana celular” da bactéria e de “mecanismos adjacentes” que esta desenvolve e que “contribuem para a resistência a antibióticos”.
Por outro lado, o grupo encontra-se também envolvido na “procura de novos compostos com propriedades antimicrobianas ou de estratégias alternativas a antibióticos”, revela Ana Jorge, que lecciona também microbiologia da infecção.
“Estamos a investigar uma estratégia inovadora que consiste na alteracao do microbioma em vez do uso de antibióticos (usar bactérias inofensivas para matar as patogénicas ou más)”, acrescenta a investigadora. Em síntese, o objectivo é encontrar 'armas' para travar a resistência aos antibióticos. que se apresenta já como “uma ameaça à saúde pública”.
[LER_MAIS] “O uso muitas vezes inadequado e demasiado frequente dos antibióticos e a despreocupação em boa higienização em meio hospitalar, entre outros factores, contribuíram para acos seja hoje responsável por cerca de 700 mil mortes por ano no mundo.
“Estima-se que nos EUA a [bactéria] Staphylococcus aureus mate mais do que a sida e a tuberculose juntas”, nota a investigadora, adiantando que os dados fizeram com que, nos últimos anos, “finalmente se gerasse atenção e interesse das grandes agências públicas mundiais” em definir a resistência aos antibióticos como “prioritário”.
Como “os antibióticos não são economicamente atractivos para as empresas farmacêuticas”, Ana Jorge considera esse apoio “fundamental para a descoberta de novas estratégias” por parte das universidades e pequenas empresas.
A investigadora acredita que, “se não se tomarem medidas neste momento, como melhorar a higienização nas cirurgias e cuidados hospitalares”, tomar antibióticos “apenas quando necessário” e investigar estratégias alternativas aos antibióticos, “iremos voltar a uma era pré-penicilina”.
E, enquanto há países europeus que já conseguiram diminuir ataxa de infecções devido a bactérias resistentes, Portugal continua a não ser um bom exemplo”, reconhece Ana Jorge, que está na Universidade de Tübingen desde 2013.
O convite para integrar o Departamento de Biologia da Infecção daquela instituição alemã surgiu em 2012. Ana Jorge tinha acabado de defender a tese de doutoramento em Biologia, pela Universidade Nova de Lisboa, e havia decidido dedicar-se uns meses ao estudo do alemão, o que viria a revelarse “bastante útil e uma porta aberta” para a integração na Alemanha.
“Numa ocasião em que o professor com quem trabalho veio a Portugal, recebi a proposta para me juntar ao seu grupo de investigação, quando mostrei interesse no ramo em que ele trabalha. Ele já conhecia o meu trabalho após uma curta colaboração”, conta a investigadora.
E, sendo Tübingen uma cidade universitária “internacionalmente reconhecida” na área onde trabalha, Ana Jorge não podia “desperdiçar esta grande oportunidade”.