Pertenço a uma geração que não conhece o médio oriente em paz. Em boa verdade, se pertencesse à geração anterior à minha, a constatação não seria em nada diferente, o que não deixa de ser algo deprimente. Ainda antes de ter uma perspetiva histórica do conflito entre israelitas e palestinianos, ou de procurar entender a motivação para tamanha agressão e ódio, as imagens da Primeira Intifada eram-me familiares, através dos ecrãs da TV. Recordo-me da ténue esperança de resolução com os Acordos de Oslo e a criação da Autoridade Palestiniana, prontamente esquecida com o início da Segunda Intifada e tornada impossível pela cisão Fatah-Hamas na sequência da “operação” Chumbo Fundido, um dos inúmeros bombardeamentos sumários de Israel sobre Gaza. Independentemente de quaisquer análises políticas e históricas que procurem defender a razão de uma das partes, há uma questão que é indiscutível e inequívoca: o aumento do território controlado pelo estado de Israel e a ocupação crescente da área correspondente à Cisjordânia, ou Banco Ocidental.
Masafer Yatta, no sul da Palestina, próximo de Hebron, é um aglomerado de pequenas e centenárias aldeias rurais palestinianas que Israel classificou como zona C, ou seja, território para treino militar. No campo de tiro 918, como é também identificado, é proibida a construção e severamente desaconselhada e desincentivada a permanência. Basel Adra e a família vivem em Masafer Yatta e o jovem Basel (nascido em 1996) seguindo o exemplo dos pais, desde cedo se envolveu no ativismo e na defesa dos direitos dos compatriotas. Quando Yuval Abraham, um jornalista israelita, se desloca a Masafer Yatta, para escrever sobre a situação no local, e apesar da desconfiança inicial, ambos se tornam amigos.
É desta amizade e do trabalho em conjunto de Abraham e Adra que surge No Other Land, filme realizado por um coletivo israelo-palestiniano (Basel Adra, Yuval Abraham, Rachel Szor e Hamdan Ballal) que desde a estreia na Berlinale, onde conquistou o prémio do júri bem como a escolha do público para melhor documentário, tem trilhado um percurso fortíssimo, arrecadando uma série de prémios, incluindo da International Documentary Association, e que provavelmente culminará nos Óscares.
Utilizando diversas imagens de arquivo, filmadas ao longo de mais de 20 anos pela família de Adra, filmagens captadas pelos próprios autores durante intervenções das tropas israelitas e outras obtidas pelo coletivo, No Other Land é um documento cru, violento e com pouca margem para conclusões ou contemplações. A prioridade não está na qualidade das filmagens, muitas vezes obtidas com meios pouco capazes e sob condições difíceis. É, acima de tudo, um filme que urge ver e que vale por ser uma janela escancarada e poderosa para o contexto das vidas humanas na Cisjordânia.