Hoje vou escrever sobre o trabalho do Paulo. Talvez deva começar com uma declaração de intenções e salvaguardar que não sou amigo do Paulo. Esta introdução é mais importante do que se possa pensar, na medida em que – presumo – quando terminar este texto, provavelmente lhe terei tecido uma série de elogios, e é possível que fique a sensação de que, das duas uma: ou somos grandes companheiros e a minha objetividade está toldada, ou se tratam de linhas cujo teor foi encomendado. Asseguro que nenhuma das opções é verdadeira.
A primeira vez que encontrei o Paulo foi numa sessão com não mais que uma dúzia de espectadores, parca audiência para uma sala com duas centenas de cadeiras, e em que se apresentava a sua primeira longa-metragem: Bostofrio. A moderação estava a cargo do Álvaro Romão que fez o necessário para honrar o momento frente àquela triste, porque escassa, plateia. O filme era excecional. Uma primeira obra cheia de muito cinema, com as bonitas falhas próprias da pouca experiência, mas que se perdoam e esquecem ao perceber um enorme talento e uma capacidade de trabalho fora de série.
No final fui atrás do Paulo. Expliquei-lhe que a associação de que faço parte organizava um modesto mas interessado festival de cinema documental e que queríamos muito exibir o filme dele nesse contexto. A resposta foi logo afirmativa e deu-me mais trabalho gerir o assunto com a distribuidora que propriamente com o autor. Esse, aceitou prontamente o convite para estar presente na sessão em que se apresentou o filme e em que, tendo contado com apenas uma mão cheia a mais de espectadores do que a outra exibição que referi, deu lugar a uma animada conversa entre o realizador e o público. E a uma posterior tertúlia, regada a cerveja, mas que não é para aqui chamada.
Nesse dia falou-me ainda do filme seguinte: Périphérique Nord, que estava já a produzir. De como estava a ser desafiante, de como acreditava no projeto e que, mesmo esperando encontrar contrariedades para o promover, tinha já traçado um plano para as superar. Porque o Paulo é um tipo feito de paradoxos. Faz questão de lembrar que é da Pontinha, ali encostado à Amadora, o que lhe dá uma certa street credibility, mas é-lhe difícil manter essa imagem se começa a falar de cinema e, inadvertidamente, discorre com paixão acerca das suas preferências sobejamente intelectuais e obscuras.
No fim de contas, o Paulo Carneiro é um gajo de causas e que faz filmes para e com pessoas. Não é, portanto, de espantar que as capas dos jornais e as páginas dos media destaquem a estreia d’ A Savana e a Montanha, o seu último trabalho, na Quinzena dos Cineastas, em Cannes. Isso mesmo: o Paulo estreou – em Cannes – um western acerca da luta das gentes da Covas do Barroso contra a gigante Savannah Resources, que pretende minerar lítio no coração de Boticas. Podem reler o parágrafo em que digo que o Paulo é paradoxal. Verde é o Barroso!