A entrevista concedida a semana passada ao JORNAL DE LEIRIA, pelo ex-reitor do Santuário de Fátima, monsenhor Luciano Guerra, provocou as mais diversas reacções.
Os responsáveis pelo templo mariano, em comunicado, refutaram as principais críticas dirigidas pelo entrevistado à actual gestão. Já alguns actuais e ex-funcionários da instituição, manifestaram-se “gratos” e de alguma forma “aliviados” pela “coragem” demonstrada pelo sacerdote, ao trazer a público o que, durante muitos anos, apenas foi comentado em surdina.
“Houve uma espécie de inversão de valores, o ambiente chegou a tornar-se maquiavélico e gerou-se um clima de desconfiança entre os próprios funcionários. [LER_MAIS]Esperamos que depois deste alerta, lançado por alguém com grande autoridade e lucidez, o Santuário possa reencontrar o seu caminho”, afirmou ao nosso jornal um ex-colaborador, que saiu destroçado psicologicamente depois de um doloroso processo de rescisão, mas continua reconhecido à instituição por tudo o que lhe proporcionou nos anos em que fez parte do quadro de pessoal.
Tal como referiu Luciano Guerra, antes das comemorações do Centenário das Aparições, em 2017, “quase de rompante, foram admitidos mais de 130 novos funcionários, numa casa que tinha 210”. Com as novas entradas, muitos trabalhadores viramse “esvaziados de funções” e “os ordenados, sobretudo das chefias, dispararam para valores que sempre achámos incompatíveis com a missão do Santuário”, lembrou um outro colaborador.
A situação foi-se mantendo, mas quando surgiu a pandemia, as receitas diminuíram drasticamente e a reitoria viu-se forçada a avançar com uma reestruturação do quadro de pessoal. No comunicado enviado às redacções, em reacção à entrevista do exreitor, o Santuário assegura que “não despediu nem forçou a saída de qualquer colaborador, apenas adaptou o seu quadro de pessoal às necessidades pastorais resultantes de um novo contexto, que obrigou a uma redução muito significativa da atividade do Santuário em 2020, que se prolongou ainda durante o ano de 2021 e que só este ano de 2022, felizmente, começou a ser retomada”.
Mas em declarações ao JORNAL DE LEIRIA, vários funcionários e exfuncionários, que pediram para não ser identificados por temerem represálias, contaram uma versão diferente: “No final do Verão de 2020, os funcionários foram convocados para uma reunião com o vice-reitor [na altura o padre Vítor Coutinho, que já abandonou a instituição e o sacerdócio] e, nessa reunião, ele disse-nos que o Santuário estava a passar por dificuldades financeiras, que alguns funcionários tinham que ir embora e que o melhor era apresentarem propostas de rescisão. Se não o fizessem, seria o Santuário a tomar uma decisão”.
A intenção de reduzir o número de trabalhadores caiu no domínio público, através de uma reportagem da TVI, e, logo a seguir, os funcionários foram chamados para uma nova reunião geral, desta vez liderada pelo reitor. Nesse encontro, o padre Carlos Cabecinhas “emendou a mão e disse-nos que não iam despedir ninguém, só saía quem quisesse. Mas na verdade a pressão já estava feita”, recordou a mesma fonte.
E, na realidade, conforme refere agora o Santuário em comunicado, acabaram por registar-se um total de 57 desvinculações, sendo “16 revogações de contrato por mútuo acordo, por iniciativa própria do trabalhador; 20 cessações de contrato no seu termo, dos quais 9 eram estudantes; 17 rescisões por iniciativa do trabalhador e 4 aposentações por velhice”.
Recorde-se que, muito antes desta reestruturação, e no rescaldo das comemorações do Centenário, o então administrador do Santuário, padre Cristiano Saraiva, pediu a demissão do cargo sem prestar qualquer esclarecimento público, mas claramente desagradado com “o aumento dos gastos e o sucessivo desrespeito com os orçamentos anuais” da instituição. Numa carta enviada ao clero da diocese LeiriaFátima, a que o JORNAL DE LEIRIA teve acesso, o sacerdote justificava a decisão com o facto de ter visto “esvaziadas as funções do cargo” e de lhe terem sido retiradas “as normais condições” para o desenvolvimento do seu trabalho de administrador.
“Desconhecimento da actual realidade”
Num comunicado com 10 pontos, o Santuário de Fátima refutou as críticas de “intelectualização” daquele espaço, feitas pelo antigo reitor, Luciano Guerra, considerandoas “uma contradição” com a ousadia que o sacerdote revelou nesta área, durante os 35 anos que esteve à frente da instituição. Referiu ainda que a entrevista “resulta de uma leitura pessoal, feita a partir da realidade actual”, e revela “um profundo desconhecimento da actual gestão do Santuário e dos desafios com que se confronta”.