Portugal, uma nação de emigrantes, desde a Expansão marítima do século XV, tornou-se, nos últimos anos, num país procurado por muitos imigrantes em busca de uma vida melhor.
Na verdade, já antes da mais recente vaga de imigração, muitos estrangeiros elegiam o “país à beira-mar plantado” como lar.
Vieram do Reino Unido, dos Países Baixos, da Suécia, Alemanha e até dos Estados Unidos.
É esse o caso de Sarah Beach e de David Allen que se fixaram no concelho de Ansião há dez anos.
Procuraram um local com gente amigável, uma temperatura agradável, natureza e muito sossego, após uma vida a calcorrear as quatro partidas do mundo.
Originários do Reino Unido, viveram parte das suas vidas na Austrália e percorreram a Europa numa caravana, até que compraram uma casa nos arredores da vila de Ansião.
Consigo, trouxeram o que tinham de mais precioso: as recordações, uma cadela, as fotografias e as tradições.
Falando nelas, explicam que, na Grã-Bretanha, a Consoada não é o momento alto do Natal.
Esse está reservado para o dia da festa da luz e do nascimento de Cristo, no 25 de Dezembro.
E a comunidade britânica importou a tradição. “No Reino Unido, as pessoas acordam tarde, comem um pequeno-almoço tardio, com salmão, ovos mexidos e, por vezes, champanhe ou mimosas”, explica Sarah.
Antes, porém, no lar forrado a pedra calcária e persianas e portas de madeira clara de David e de Sarah, é tempo de abrir as prendas que o Pai Natal deixou na meia pendurada na lareira… ou noutro local da casa, à falta do tradicional elemento arquitectónico.
É tempo de ver quem foi bem-comportado e recompensado ou quem foi mal e recebeu um pedaço de carvão… a tradição é semelhante à portuguesa.
Em Ansião, tentam recriar algumas das tradições, mas deixaram cair outras.
Pelas 14 ou 15 horas, quando no Reino Unido ainda se escuta a mensagem de Natal do rei Carlos III para toda a Commonwealth, David, que é designer gráfico, e Sarah, que é tradutora, iniciam o almoço de Natal.
“Na Grã-Bretanha, é uma refeição grande, com a família, com convívio, presentes, muita bebida e comida. O prato principal é o peru, que se tornou popular nos anos 50, antes, era o ganso”, conta Sarah.
A acompanhar, há batatas e nabos assados no forno, com gordura de pato, pigs in blankets (salsichas enroladas em bacon), grossas fatias de fiambre assado e couves de bruxelas, também assadas.
Tudo acompanhado por vários molhos, como o de pão, confeccionado à base de pão (claro!), especiarias, leite e cebola, e o molho de arandos.
Para sobremesa, há “mince pie”, uma tarte com recheio à base de frutas secas, brandy e muito açúcar.
E Natal, não pode ser Natal sem Pudim de Natal quente, com frutos secos e… álcool.
Segue-se um resto de tarde, a ver um filme clássico de Natal, pelo menos, para quem ainda está acordado.
“Há quem aproveite para uns jogos em família ou um passeio, para ajudar à digestão. No final do dia, o jantar faz-se com os restos ou com uma refeição leve”, diz Sarah, que, admite, não segue todos os hábitos britânicos de Natal, até porque o casal é vegano.
“Confeccionar pigs in blankets sem carne é um desafio. E, graças ao Brexit, não conseguimos arranjar muitos dos ingredientes tradicionais, por isso, temos de fazer tudo do zero.”
Há mesmo quem, no início de Dezembro vá, propositadamente, visitar a família ao Reino Unido e traga, na mala, no regresso, muitos condimentos e especialidades, para si e para os amigos.
Em alternativa, há uma mercearia no Avelar, que tem quase tudo o que um britânico precisa para um “very British Christmas”.
“Temos sempre uma ‘árvore de Natal verdadeira’. O David poda o nosso loureiro e usamos os ramos enfeitados. Alguns dos enfeites eram dos meus natais em casa dos meus pais e trago-os comigo desde sempre”, conta a britânica.
A melhor parte, para quem vive no Reino Unido é que, o dia 26 é feriado, o célebre Boxing Day e, como tal, há tempo para jiboiar pela casa, de cinto aberto, antes de se voltar ao trabalho, nos dias antes do Ano Novo.
Infelizmente, David e Sarah habitam em Ansião.
Alex e Julia Khachatryan vivem no fundo da rua dos britânicos. Nasceram em Moscovo, na antiga URSS, e viveram três décadas nos Estados Unidos, antes de o destino os levar até ao norte do distrito de Leiria.
Na família de ambos, há raízes arménias, judaicas e cristãs.
“Apesar disso, na nossa família não éramos muito religiosos. Na URSS, não havia religiões, apenas o Estado e os feriados estatais. Contudo, as tradições vêm com as famílias e, em crianças, festejávamos a Páscoa, quando muitas pessoas visitavam os cemitérios”, conta Alex, que foi responsável, durante anos, por uma ONG que estimulava o ensino da Matemática, a crianças, através da tecnologia.
A quadra actual acabou por ser mais marcante pelo Ano Novo, por ser um feriado apolítico, laico e não controverso, “com muita comida, festas e noitadas”.
“Agora, marcamos o dia de Natal com um bom jantar e um bom vinho. Também não celebramos o Hanukkah [importante festa judaica que coincide com o Natal e é conhecido como o Festival das Luzes], mas temos os nossos próprios valores”, resume.