Os Malmequeres apoia deficientes intelectuais há 30 anos, permitindo-lhes tornarem-se mais autónomos e ganharem auto-estima através da construção de brinquedos em madeira, que são depois vendidos.
Além disso, os utentes levam uma ludoteca itinerante às várias escolas do 1.º ciclo e pré-escolar da região, onde contam histórias e ensinam as crianças a construir e a pintar. Apesar da instituição funcionar como um centro de actividades ocupacionais, pago de acordo com o rendimento de cada família, não é esta apenas a sua função.
Os utentes ganham uma bonificação mensal pelo trabalho que fazem, “que é condicionada pela qualidade e quantidade de trabalho produzido e pelo comportamento”, explica Edite Dinis, directora técnica e presidente da instituição.
“Mas há ganhos muitíssimo maiores: ganham auto-estima, gosto pelo trabalho, regras, saber estar com os outros e respeitá-los. A interacção entre eles também é um ganho, assim como o facto de sentirem úteis e produtivos, que algumas pessoas nem acreditam que foram eles”, acrescenta Edite Dinis.
Os utentes fazem todo o projecto do brinquedo, à excepção de cortarem a madeira. Depois de ser dado um tema, cada um apresenta uma proposta de desenho e é a partir dela que vai construir o seu brinquedo em madeira e pintá-lo. “Eles fazem todo o projecto, apenas não cortam a madeira.”
Ludoteca itinerante
A ludoteca é o projecto d’Os Malmequeres, a menina dos olhos da directora técnica e da instituição. Começou funcionar nas instalações da [LER_MAIS] associação em 1993, com as escolas a deslocarem-se ao espaço, mas em 2006 ganhou asas e voou para fora das paredes d’Os Malmequeres.
“Continua a ser um sucesso. Mesmo quando temos de fazer cortes a ludoteca é intocável”, garante a responsável. Para Edite Dinis, este projecto é a “melhor forma de integrar os utentes e de intervir na faixa etária mais pequena de forma a mudar alguma coisa”.
Todas as semanas, deslocam-se às escolas da região e levam a ludoteca itinerante a centenas de crianças. “É um projecto apoiado pela Câmara de Leiria e pela Caixa Agrícola de Leiria, que desenvolve muito a auto-estima. Com os brinquedos eles têm a noção do valor do trabalho, mas com a ludoteca sentem-se quase como professores. A ludoteca faz mais pela integração do que os brinquedos só por si”, sublinha.
Em 30 anos, a grande derrota de Edite Dinis foi não ter conseguido mudar mentalidades. “Acreditava mesmo que fosse possível. Conseguimos fazer alguma coisa ao nível da comunidade, não ao ponto de mudar as mentalidades, mas das pessoas começarem a verem que os deficientes podem ser válidos. Temos feito uma divulgação muito grande na comunidade escolar e isso é forte.”
A directora técnica lamenta que a sociedade e os próprios pais duvidem das capacidades destes utentes, que “com uma pequena tutoria poderiam viver sozinhos”.
“Há medo e muitas pessoas não acreditam que eles são capazes. Há mesmo quem questione se são eles que fazem os brinquedos. Temos utentes que fazem aqui as tarefas domésticas e em casa não. Uma mãe ficou surpreendida porque o filho descasca as batatas. Em casa não o deixa fazer porque tem medo que se corte. Mas quem nunca se cortou?”, desafia.
Edite Dinis defende mesmo que mais importante que ensinar as letras é garantir-lhes autonomia. “Eles são capazes de fazer as tarefas diárias e podem não ser um peso para a família. Claro que não conseguem lidar com o dinheiro ou fazer compras, mas podem viver numa casa, que seja tutelada, em vez de os enfiar num lar. Está a ser difícil passar essa mensagem”, lamenta.
A responsável confessa que estes 30 anos foram de “grandes aprendizagens, de grandes surpresas, de coisas boas e também de coisas muito más”.
A olhar para o futuro, a directora técnica pretende “criar uma equipa com uma visão real da deficiência, que continuasse este trabalho” e garantir um melhor salário a quem trabalha em Os Malmequeres.
“Todos dão imenso. Quando as obras estiverem pagas, onde mais gostaria de gastar o dinheiro era nas pessoas, porque sem pessoas não há organizações e as organizações espelham aquilo que as pessoas fazem. Esse é o meu grande sonho. Se conseguir realizar, posso reformar-me descansada”, desabafa.
Os Malmequeres sofreu recentemente obras de ampliação, que lhes permitiu criar melhores condições físicas. Com 17 utentes, a responsável admite candidatar-se junto da Segurança Social a receber um máximo de 20 pessoas.