Constavam 18 provas masculinas no programa dos campeonatos nacionais de natação do Malawi, realizados no início do mês. Filipe Gomes encheu-se de força e só não se fez à água nos 100 e nos 200 metros costas, provas de que não gosta particularmente. Foi uma limpeza. Das 16 em que competiu venceu… todas.
O desportista do Bairro dos Anjos é, incontestavelmente, o melhor nadador do país em que nasceu e por isso, mesmo que não consiga as marcas de qualificação exigidas pela federação internacional (FINA), tem o lugar nos Jogos Olímpicos de Tóquio garantido.
No entanto, os últimos dias não têm sido fáceis para o rapaz de 22 anos e para todos os colegas desportistas de Leiria. Por causa do surto de Covid-19, as piscinas municipais estão fechadas desde o início da semana, como os pavilhões, o estádio municipal e o centro de lançamentos.
E a quatro meses de começarem os Jogos Olímpicos, estão todos impedidos de treinar da melhor forma. Atletas e treinadores tentam desenrascar-se, mas a factura vai ser paga.
O Comité Olímpico Internacional (COI) decidiu – para já – manter as datas programadas para a realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio, de 24 de Julho a 9 de Agosto deste ano. “Não é necessário tomar decisões drásticas neste momento”, anunciou, esta terça-feira, após uma reunião conjunta com os organizadores.
Aproveitou também para “encorajar todos os atletas a continuarem a preparar os Jogos Olímpicos de Tóquio da melhor forma que consigam”, apesar de as preparações serem “impactadas e mudarem todos os dias.”
“Não é fácil”, sublinha Filipe Gomes. Dizem que a vida de nadador é monótona, mas as “saudades de entrar na água” já apertam, admite. Saudades como aquelas que sente do país e da cidade de Blantyre, onde nasceu e viveu até aos 10 anos, e a natação também serve para mitigar a distância dos avós maternos, que lá permaneceram, e até da treinadora.
“Quando regresso ao Malawi volto a treinar para a minha antiga equipa e com a treinadora que me ensinou a nadar.”
Enquanto as piscinas de Leiria estiveram abertas, e apesar da incerteza sobre o grande evento internacional, continuou a ir aos treinos “como se nada fosse”. “Duas horas por dia” dentro de água, mais ginásio. Agora, segue as indicações do treinador para que a forma não se perca por inteiro.
“Claro que não fico em casa parado”, diz. Vai correr meia hora com a cadela Maggie e depois cumpre o plano de treino engendrado por João Paulo Fróis: séries, skipping, polichinelos, burpees, agachamentos, abdominais e flexões. “Isto vai manter a minha forma dentro do possível. Depois, quando recomeçar os treinos de água, já só preciso de me preocupar mais com a capacidade aeróbia.”
Optimista, acredita que a nuvem vai passar rapidamente e que os Jogos Olímpicos irão manter-se nas datas programadas. “Estou com pensamentos positivos e espero que em Julho já não estejamos a sofrer tanto com o coronavírus.”
Back to basics
Ali, ao lado da piscina, há outra história semelhante. É um pulinho, mas a distância entre o estádio e o Polis, nas margens do rio Lis, onde agora pode vir a fazer toda a diferença – para pior – na preparação de Evelise Veiga para os Jogos Olímpicos.
No início de Junho do ano passado, espantou o mundo do atletismo – a ela e à treinadora também – ao assegurar, com mais de um ano de antecedência, um lugar na prova de triplo salto em Tóquio, apesar de se focar mais no salto em comprimento.
[LER_MAIS]Agora, contudo, os treinos fora do habitat natural condicionam a participação no evento que, até ver, mantém as datas incólumes. A treinadora, Cátia Ferreira, está naturalmente ciente de que as condições não são perfeitas, mas há que continuar a lutar.
“Neste momento, vivemos num ambiente de muitas incertezas relativamente ao futuro desportivo nomeadamente ao nível das competições. Contudo, vivemos o presente dia-a-dia com as restrições e os conselhos que nos são impostos, tentando adaptar-nos a esta nova realidade.”
É uma questão de imaginação. “Há sempre uma solução”, diz Evelise, de 24 anos. Basicamente, é o back to basics. Não há halteres, mas há escadas. Não há caixa de areia, mas há rampas. Não há tartan, mas há a via Polis.
“Há algum trabalho que dá para fazer, pois estamos numa fase de preparação geral, mas o trabalho de ginásio que constitui uma grande fracção do treino nesta altura, está completamente hipotecado, o que vai condicionar muito.”
Evelise está “serena”. “A falta de condições também nos tem fortalecido. Vamos vivendo um dia de cada vez e com a consciência que estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance”, assegura Cátia Ferreira.
“É claro que tem um impacto grande na preparação, mas temos as duas procurado ao máximo continuar o nosso foco, para já nas ruas, isoladas, e em casa, tentando manter uma preparação próxima e possível tendo sempre em vistas os Jogos Olímpicos.”