O corte do fornecimento de gás russo à Europa, através de território ucraniano, em virtude do conflito armado que envolve os dois países, no dia 31 de Dezembro, deverá ter “muito pouco impacto” na economia e indústria portuguesas.
A opinião de industriais do sector da cerâmica, ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA, prende-se com a origem das principais fontes deste tipo de combustível.
É que, embora tenha apenas uma reserva limitada desta fonte de energia, Portugal recebe a maioria do seu gás natural a partir da Nigéria e da Argélia, tendo assegurados contratos do tipo take-or-pay de longo prazo.
Isto significa que, desde que a situação política destes países não se altere, os valores a pagar são acertados por longos períodos, não podendo o fornecedor alterar unilateralmente as condições.
“A questão do corte não se aplica pois não há passagem de gás através dos Pirinéus. Portugal, Espanha e França continuam a negociar a criação de um gasoduto”, explica Marcelo Sousa, administrador da Matcerâmica, de Vale de Ourém, Batalha.
Naquela que é considerada a maior produtora de faiança da Península Ibérica e uma das maiores da Europa, há menos preocupação com quebras de abastecimento do que com eventuais mexidas episódicas nos preços.
E o mesmo acontece na Jomazé – Louças Artísticas e Decorativas, sediada em Coz, no concelho de Alcobaça. Nuno Graça, responsável pela empresa, admite que, num mercado aberto como o actual, há sempre alguma cautela, porém, o sentimento dominante é de que a situação se manterá estável, tal como tem acontecido nos últimos tempos.
“Parece-me que os receios de que se fala são um fait-divers. Mas é claro que as guerras afectam muito a economia”, diz, lembrando que a Jomazé operava na Ucrânia e em Israel, antes do eclodir dos conflitos.
Marcelo Sousa, por seu turno, sublinha que este corte “não sucedeu de um dia para o outro”.
“Estava previsto. Até em 2022, os países europeus foram rápidos a encontrar fontes alternativas”, considera e lembra que Portugal goza de uma “localização geográfica privilegiada” que permite que o gás natural também chegue por navio, vindo de países como os EUA.
Além disto, tal como aconteceu com os fornecedores nacionais de combustíveis, a necessidade de segurança e previsibilidade na formação de preços levou os produtores de cerâmica e outras indústrias que empregam gás a escudar-se com contratos de longo prazo.
“Daquilo que conheço do sector, a maioria tem contratos desse tipo e a verdade é que esta situação veio mostrar que há muito gás disponível em todo o mundo”, resume o administrador da Matcerâmica.
Reserva estratégica de gás em Pombal
É no concelho de Pombal, no Armazenamento Subterrâneo do Carriço (ASC), e no terminal de GNL operado pela REN, em Sines, que se acumula a reserva estratégica nacional de gás natural que, segundo informações divulgadas pelo anterior Ministério do Ambiente, em 2022, aquando do ataque russo à Ucrânia, era suficiente para apenas um mês do consumo nacional deste carburante.
A ASC é uma infra-estrutura composta por seis cavidades de armazenamento de gás numa formação salina natural, detida e explorada pela REN Armazenagem.
A capacidade actual de armazenamento é de cerca de 335 milhões de metros cúbicos, mas uma Resolução do Conselho de Ministros do anterior Governo (PS) ordenou a criação de “duas cavidades adicionais, com capacidade para, pelo menos, 1,2 TWh”.