Leia aqui a primeira parte da entrevista.
Como é que a vocação e os Missionários Monfortinos lhe apareceram no caminho?
Talvez o ir para o Seminário [aos 10 anos] tenha sido fruto do acaso. Vinha de uma experiência que ocorreu no decurso da escola primária, em que estive internado largos meses na sequência de um acidente grave que sofri. Dos tempos que vivi no velho hospital universitário de Coimbra, incutiu-se no meu carácter uma confiança cega em Deus e em Nossa Senhora de Fátima. Estamos a falar de uma criança de sete anos, cujo discernimento teológico não é grande. Foi uma situação complicada de saúde, através da qual aprendi a ter confiança cega em Deus e não na ciência, que ia fazendo tentativa atrás tentativa até, finalmente, acertar. Gosto de referir que o meu carácter traz uma marca de uma confiança cega, absoluta, em Deus. Quando há esta predisposição no coração e na alma de uma criança ou de um jovem, não é difícil a adesão completa a Cristo. Experimentei essa confiança como uma entrega total, espontânea, absoluta. A minha vocação foi-se trilhando, progressivamente.
E a opção pelos Monfortinos como surgiu?
Como tinha lá alguns amigos de infância, acabou por ser uma escolha natural. Eles contavam-me coisas com as quais eu me identificava muito. Entre o que recebi dos Monfortinos destaco, em primeiro lugar, o sentido de missão, que era muito forte e muito intenso na congregação. Ali, quase não havia permissão para pensarmos em nós próprios. Aprendíamos a ser totalmente para os outros. Esse preenchimento através da entrega ao outro e o desapego do eu era qualquer coisa de encantador. Em segundo lugar, os Monfortinos reforçaram em mim a paixão por Nossa Senhora, que sempre me foi incutida pela minha avó, que testemunhou Aparição de 13 de Outubro de 1917 e, primeiramente, me transmitiu os meandros do catecismo. É uma pessoa que trago sempre presente na ternura do coração. Os Monfortinos também me proporcionaram um sentido de comunidade muito grande, não só entre os membros da congregação, mas com as pessoas em geral, numa dinâmica de construir comunidade com quem nos encontramos.
Ao contrário do que acontecia no tempo em que iniciou o seu percurso, os seminários estão hoje vazios. Como pode a Igreja Ocidental contornar a redução de vocações sacerdotais?
É bom recordar que nos anos 40, 50 e 60 [do século XX] os seminários estavam cheios, em primeiro lugar, porque respondiam a uma necessidade do País, que não era capaz de dar escolaridade aos seus cidadãos. Quem assumiu e chamou a si essa responsabilidade foram os seminários. Isto explica, em parte, por que razão os seminários antes estavam tão cheios e agora não. A promoção vocacional, vista como o processo pelo qual a pessoa tem de passar, questionando-se sobre qual o chamamento a que é convocada, continua a ser feito, mas noutros moldes e noutros locais. [LER_MAIS]Mas, é inegável que temos hoje muito menos padres e menos seminaristas como também temos menos pessoas nas forças armadas e de segurança e em tantos outros sectores da sociedade, porque há menos nascimentos. O problema número um do País é a natalidade. O nosso futuro está comprometido, porque não há nascimentos. Tudo o resto é poesia. Andamos a perder tempo com fait divers e a este problema, que devia ser central, não é dada a importância que é exigida. Não estamos a investir o suficiente em políticas de natalidade.
O fim do celibato obrigatório pode ser um caminho para aumentar o número de padres? O Papa Francisco já o admitiu em relação às tribos indígenas da Amazónia.
É uma ilusão ligar o celibato ao número de vocações sacerdotais. Não corresponde à verdade. A prova está que as igrejas anglicanas em Inglaterra e na Alemanha, por exemplo, onde os pastores podem casar, estão a passar por uma crise de vocações ainda mais grave do que a Igreja Católica. Há outros sectores, onde as pessoas são livres para casar, como os militares ou as forças de segurança, carreiras também muito assentes na mística do serviço aos outros, que também têm uma redução de candidatos. Relacionar o celibato com o número de vocações não joga.
Feita essa ressalvam, pergunto se concorda com o celibato obrigatório?
O celibato tem uma grandeza, uma justificação e um motivo, tal como o casamento tem. Continuo a ser daqueles que acham que o celibato tem valor por si, um valor que não é só o de conceder ao presbítero ou à irmã religiosa maior disponibilidade para servir o povo e a Igreja. Para o próprio sacerdote, o celibato é crucial, porque é o jeito que tem de viver a relação intima, seja com Deus seja com os irmãos. Permite viver uma relação integral, plena, com todas as pessoas numa atitude de entrega. Isto implica o princípio de que eu, para cada um dos homens e das mulheres deste mundo, sou todo para eles como padre. Convenhamos, um casado não pode dizer isso. Quando começarmos a repensar o celibato, devemos começar por nos perguntar qual é o seu significado, o seu sentido.