Carne, enlatados, produtos de higiene, café, roupa, maquilhagem, bebidas alcoólicas ou doces são alguns dos produtos mais furtados nas grandes e médias superfícies que se dedicam à venda de alimentos e roupa. O modus operandi está cada vez mais apurado e a criatividade dos assaltantes para ludibriar os funcionários e a segurança não tem limites. Muitos são apanhados e acabam por pagar os artigos, mas os prejuízos dos supermercados são elevados, admitem algumas fontes com quem o JORNAL DE LEIRIA conversou, já que os estabelecimentos recusaram dar essa informação.
Portugal atravessa uma das piores crises das últimas décadas, com os preços de quase todos os bens de consumo a subir e os salários a não acompanharem a inflação. A maioria dos cidadãos está a perder poder de comprar e para muitos gerir o orçamento familiar é uma verdadeira dor de cabeça. Há relatos de furtos de comida em supermercados, mas desengane-se quem pensa que a maioria dos produtos subtraídos é para matar a fome, até porque muitas entidades, como a Refood, que recebem as sobras do dia que estão em perfeitas condições para consumo, mas que a legislação impede que sejam vendidas.
Segundo vários relatos de funcionários e seguranças de diferentes supermercados da região, há grupos organizados que furtam de tudo um pouco, cleptomaníacos, mulheres, jovens, gente aparentemente com um estatuto de classe média alta ou alta, portugueses ou estrangeiros. Não há um perfil típico e a linguagem corporal, que a experiência dos seguranças identifica, é que denuncia, muitas vezes, os suspeitos. Por outro lado, as múltiplas estratégias de vigilância – que o JORNAL DE LEIRIA opta por não revelar – também ajudam a travar muitos dos furtos. Ainda assim, muitos conseguem ludibriar a segurança.
Estratégias diversas
Um casal com um carrinho de bebé entra descontraidamente no supermercado. Vão fazendo as suas compras, mas alguns produtos acabam por ficar ‘esquecidos’ na base do transporte da criança. Paga na caixa parte dos artigos, mas outros tantos são levados sem pagar. Uma mulher, bem vestida, com ar de pertencer à classe média alta entra com uma mala ao ombro de uma marca de luxo.
À medida que percorre os corredores, vai colocando vários artigos no malote, na maioria das vezes, de média dimensão. Maquilhagem, pequenos electrodomésticos, como alisador de cabelo, máquina depiladora ou cremes são os preferidos. Nada de bens de primeira necessidade. Os valores dos produtos chegam aos 200 euros. Quando sai é confrontada pela segurança. Dá uma das várias justificações habituais: “Peço desculpa, não estou bem financeiramente” ou “fiquei desempregada” ou até “esqueci-me de pagar”. E, no final, como quase sempre acontece quando alguém é apanhado, acaba por pagar a conta.
Utilizar um saco grande ou fazer-se acompanhar de casacos dentro do carrinho de compras, que ajuda a esconder vários produtos é um dos esquemas mais utilizados. Mas há quem já tenha sido apanhado com nacos de picanha dentro das calças ou até os mais atrevidos que saem do supermercado com o carrinho cheio de compras.
“São, sobretudo, as redes organizadas que enchem os carros de compras e tentam a sua sorte ao sair disparados a empurrar o carrinho até à rua, onde já estão outras pessoas à espera para levar os produtos”, conta outra fonte.
Há dias em que corre bem e conseguem fugir com a mercadoria, mas há também casos em que os seguranças lhes barram a saída. “Na maioria das vezes, não há qualquer confronto. Deixam tudo e fogem. A seguir vão tentar a sorte noutro lado”, refere um dos seguranças ouvido pelo JORNAL DE LEIRIA.
Os alarmes colocados nos produtos mais caros ou que são mais apetecíveis de subtrair nem sempre impedem o furto. Situações de quem entra num provador vestido de vermelho e sai de branco são mais comuns do que se pensa.
Dentro do provador há quem aproveite para cortar alarmes ou as etiquetas que têm incorporado o sistema que obriga à desmagnetização nas caixas de pagamento. Mesmo os alarmes mais sofisticados são, por vezes, desarmados. Algumas redes organizadas possuem equipamentos que retiram alarmes ou desmagnetizam.
Linguagem corporal
O dia-a-dia num supermercado para funcionários e seguranças nunca é igual e relaxante. A atenção, a coordenação e a partilha de informação são essenciais para impedir muitos dos furtos. No entanto, uma percentagem considerável acaba sempre por acontecer. O corredor da maquilhagem, produtos preferidos por mulheres e jovens raparigas, é um dos que tem maior atenção. Mas, dado o tamanho de muitos objectos, o furto é facilitado.
“Na dúvida, não vamos abordar o cliente, porque se não for verdade poderemos ter sérios problemas”, assume um dos seguranças ao nosso jornal. Muitas adolescentes já foram interceptadas com maquilhagem não paga e os jovens tentam passar sem pagar com doces e até bebidas alcoólicas. A vergonha não existe para todos.
Alguns assustam-se, mas há ‘clientes’ destes habituais e que estão referenciados entre os vigilantes. Quando entram já sabem que aquele sujeito ou sujeita têm o hábito de levar produtos sem pagar, pelo que a atenção sobre eles é ainda maior do que sobre um outro cliente qualquer.
“Não estamos atentos às pessoas pela cor da pele, etnia, nacionalidade ou forma de vestir. Mas a linguagem corporal diz muito. A nossa experiência já nos faz suspeitar de determinadas pessoas”, conta uma das fontes ouvidas pelo JORNAL DE LEIRIA.
Em muitas das situações, os autores dos furtos fazem tudo às claras. Umas vezes têm sorte outras nem por isso. A intervenção da polícia acontece quando a mercadoria não é paga, o furto tem um valor elevado ou há alguma agressão ou tentativa de agressão.
O JORNAL DE LEIRIA contactou dois dos maiores grupos de venda a retalho, para obter informação detalhada sobre a dimensão dos furtos, mas estes escusaram-se a fornecer esses dados.
Fonte da Sonae MC adiantou apenas que as lojas têm mecanismos de protecção que “permitem monitorizar e reduzir o número de furtos”, dando como exemplo “as várias tipologias de alarmes colocadas em múltiplos artigos”, que “já existem há algum tempo, e não apenas pelo contexto actual”.
Nos estabelecimentos da Sonae MC, em 2022, os artigos alimentares mais susceptíveis aos furtos foram as cápsulas de café, os chocolates e as conservas, segundo a mesma fonte.
O grupo Jerónimo Martins não respondeu às perguntas, até ao fecho da edição.
Electrodomésticos também ‘voam’
Não é só nos supermercados que os furtos acontecem com maior ou menor facilidade. Em grandes lojas de electrodomésticos, o esquema de pegar e levar sem pagar acontece mais vezes do que se pensa. Apesar de todos os alarmes que estão integrados em muitos dos equipamentos, mesmo aqueles que aparentemente são mais difíceis de retirar, como a ‘aranha’, os suspeitos encontram sempre forma de levar um drone, um telemóvel, uma máquina, entre outros.
- Troca de etiquetas
- Uso de carrinho de bebé ou até mesmo as mantas que cobrem as crianças para ocultar mercadorias
- Ocultação de produtos em bolsas, mochilas, bolsos, calças…
- Embalagens grandes, onde se aproveita para colocar outros produtos ocultos. Por exemplo, colocar chocolates ou pastilhas dentro da embalagem de cereais
- Carrinho de dois andares, no qual os clientes colocam por baixo produtos que se ‘esquece’ de pagar
- Consumo dentro da loja