Líbano e Moçambique. João Silva já esteve nestes dois países em missões de voluntariado humanitário. Aos 26 anos, com uma licenciatura em Relações Internacionais, o jovem natural de Pombal pretende seguir a área humanitária e ser profissional numa organização não governamental (ONG), ajudando a melhorar um pouco mais a vida de quem vive com o mínimo de condições, na maioria das vezes, indignas para qualquer ser humano.
Integrado no programa Europeen Union Aid Volunteers Iniciative, João Silva foi seleccionado para integrar a We World GVC (grupo voluntariado civil), uma ONG italiana, para cumprir a primeira experiência de voluntariado na área humanitária, no Líbano. “Assumi uma posição mais de escritório, trabalhando na gestão de projectos, durante oito meses.”
Antes, tinha passado pelo Irão, inserido num programa de estágios internacionais.
Percebeu que a área ligada à burocracia não era para si. Quando surgiu a oportunidade de ir para Moçambique, não pensou duas vezes. “Inicialmente, era para integrar um projecto na área da agricultura e adaptação às alterações climáticas.”
O ciclone Idai trocou-lhe as voltas. Foi desviado para dar uma resposta de emergência a 3500 famílias, num total de quase 17 mil pessoas, na província de Manica.
“O objectivo era realizar sessões com as comunidades locais ao nível da promoção e sensibilização em higiene e saneamento”, como por exemplo, a importância de lavar as mãos, a utilização de latrinas para fazer as necessidades e o uso de filtros para purificar a água, esclarece João Silva, ao recordar que estas “são comunidades que vivem no mato, completamente isoladas, sem acesso a energia nem a água potável”.
A população bebe água do rio, “que está contaminada com cólera e salmonela”.
Magia?
Depois de abordar os líderes das comunidades, João conseguiu integrar-se mais facilmente junto da população e passar informação útil, assim como distribuir kits de dignidade feminina (artigos íntimos) e baldes de 50 litros, com um filtro inserido.
[LER_MAIS]“O objectivo era tratar a água do rio. Foi impressionante ver as expressões de alguns deles quando viram um balde cheio de água turva e castanha, que se transformou em transparente, depois de passar pelo filtro. É quase magia. Assim que vêem isto a acontecer à frente deles, todos querem ter um filtro de água para si.”
E alguns dos momentos de tensão e sentimento de perigo que João viveu foi precisamente quando distribuía filtros. “Eram centenas de pessoas à minha volta, todas a gritar, porque queriam um para si.”
A distribuição de latrinas e a sensibilização para a sua utilização foram outras acções que levou a efeito. “O objectivo era conseguir sensibilizar as famílias para fazerem a sua própria latrina. São zonas muito rurais, onde sempre fizeram defecação ao ar livre e essa é uma prática que potencia muito a propagação de doenças”, revela o voluntário.
Nem sempre o trabalho é compreendido pelos locais. “Há pessoas que não vêem motivo para mudar, pois todos as gerações sempre fizeram assim e estas práticas não têm resultados visíveis de um dia para o outro. Não é pelo facto de começarem a lavar as mãos que a doença não lhes vai chegar. Tentamos passar a mensagem para que percebam que os resultados são a longo prazo”, constata.
Nos seis meses em Moçambique ficou impressionado com as condições daquelas populações e com as histórias que ouviu.
“Para chegar às comunidades tínhamos de atravessar um rio. Ou íamos em barcos em casco de troncos de árvore construídos pelos locais ou, sempre que possível, atravessávamos a pé, com o risco dos crocodilos. Felizmente nunca me cruzei com nenhum, mas há relatos de ataques de crocodilos. São situações que temos de enfrentar com coragem, porque é preciso ir em frente.”
Um dos líderes levou-o a uma das zonas que mais sofreu com as chuvas torrenciais provocadas pelo Idai. “A água subiu mais de três metros. Um dos momentos que mais me marcou foi ouvir que houve mulheres que deram à luz em cima de árvores e de telhados, onde se refugiaram das cheias. No terreno vi situações que não deviam existir. Estas pessoas não têm nada e são as que mais sofrem com estas catástrofes.”
“É muito triste ver a falta de condições e de acesso e ainda o que perdem com estas catástrofes. É triste, mas também é uma motivação extra para continuar a trabalhar da forma mais humana possível, para que cheguem lá o mínimo de condições possíveis”, sublinha João, revelando que deverá regressar a Moçambique integrando outro projecto, para uma temporada mais longa. Um dos seus objectivos é desenvolver projectos de ajuda humanitária na América Latina.
“Quero fazer um trabalho que tenha um impacto social. Quero deixar uma marca.”