Meu Caro Zé,
No último número do Foreign Affairs (set-out 2024), Condolezza Rice, 66ª Secretária de Estado dos EUA e atual diretora do Hoover Institute da Universidade de Stanford, escreve que “os novos Quatro Cavaleiros do Apocalipse – populismo, nativismo, isolacionismo e protecionismo – tendem a cavalgar em conjunto e estão a desafiar o centro político (a tradução é minha).
No domingo passado (22-09.2024) e no seguimento de outras duas eleições, na Alemanha, no Estado de Brandemburgo, o partido de extrema direita AfD ficou perto de ganhar as eleições com 29,2% dos votos e o novo partido BWS, considerado de extrema-esquerda, liderado por Sahra Wagenknecht, antiga comunista e reconhecida pró-russa, conseguiu 13,5% em e, segundo analistas políticos, não rejeita fazer acordos com a Afd. Aliás, afirma não se identificar com o rótulo da esquerda tradicional, parecendo dar razão à ideia de que “os extremos tocam-se”.
É neste contexto que pergunto se te lembras deste título “A Democracia Negativa e o Governo da Cidade” em que se referia que “os estrategas das campanhas eleitorais se centram mais na busca e divulgação dos erros dos seus adversários que nos méritos daqueles que, em princípio, apoiam”. E o jogo tem-se generalizado numa lógica de “olho por olho, dentre por dente” que, uma série de filmes passados recentemente na televisão, a propósito das eleições dos EUA, ilustra com grande veemência… É a esta desoladora caraterísticas das eleições das democracias atuais que alguns autores chamam exatamente democracia negativa.
Pois! O texto não é de hoje. Tem quase 20 anos e é o título do 1º artigo que escrevi no JORNAL DE LEIRIA, a convite teu. Creio que hoje, ainda mais, se justifica esta classificação do modo como funcionam muitas democracias. Com efeito, perante qualquer decisão de qualquer governo ou proposta de um partido, a primeira reação dos outros é a crítica imediata, expressando ser contra!
Ora ser contra, como princípio, impede que se abram caminhos para uma convivência onde se reconhecem também as virtudes ou boas ideias dos outros.
Também escrevi, então, que “se está a pedir que os partidos sejam de facto organizações não lucrativas, preocupadas com o bem-comum, e não meras agências de poder e de emprego – jobs for the boys”.
Sem isso, os extremos continuarão a destruir o que resta das democracias que o não sabem ser (as atuais autocracias já são expressão disso mesmo).
Até sempre,
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo ortográfico de 1990