“Se nos alagarem a casa, montamos uma tenda no mesmo sítio”. O desabafo é de Maria Cecília e Nelson Ramos, dois dos “sete” moradores permanentes da praia de Vale Furado, onde o recém-aprovado Programa da Orla Costeira (POC) de Alcobaça-Espichel tem identificadas 36 edifícios para demolição. Em Água de Madeiros, há 53 c asas nessas condições, localizadas numa faixa de salvaguarda com cerca de 50 metros de largura.
A informação está a ser recebida por moradores e proprietários de casas nessas duas praias de Alcobaça, com preocupação e críticas às entidades oficiais por “nada dizerem de concreto” sobre o assunto.
Apesar de ainda não terem sido informados “oficialmente” de que a sua casa de férias, localizada no vale mais a Norte da Praia de Vale Furado, Cesário Matos e Marina Ribeiro, já estão mentalizados que, “a haver demolições”, a sua não escapará “pela proximidade ao mar.
“Está dentro da faixa de salvaguarda”, conta Cesário Matos, revelando que, quando compraram a casa, há cerca de 15 anos, já se falava dessa hipótese. “Foi um risco calculado. Tínhamos consciência de que, mais ano menos ano, isso podia acontecer”, admitem, assegurando, contudo, “nunca” ter sentido receio de que o mar venha a “levar a casa”. “Há perto de 30 anos que frequento esta praia e o mar sempre esteve assim. No Inverno chega à barreira, mas nunca se aproximou da casa”, alegam.
O sentimento de Maria Cecília e de Nelson Ramos é idêntico: estão preocupados com a possibilidade de verem a sua casa – localizada ao lado do restaurante Med e cuja origem tem mais de 100 anos – demolida, mas tranquilos em relação ao avanço do mar. [LER_MAIS] “Não acho que esteja em risco. A casa está retirada do mar e os terrenos nunca se deram. Há um vale mais a sul onde se nota que o mar anda a 'comer' a arriba, mas aqui não”, dizem. A expectativa do casal, de 72 e 77 anos, é que o processo demore “o tempo suficiente” para que possam gozar “os restantes dias” na sua praia de sempre.
A algumas dezenas de metros, fica a casa de Manuel Matias Nicolau, integrada num bloco de habitações recentes. “O projecto foi aprovado em 2002, antes do POC. Não me sinto muito preocupado porque está tudo legal. Se a decisão for essa [demolição], farei valer os meus direitos”, afiança o proprietário, que lamenta a falta de informação, quer da Câmara de Alcobaça quer da Agência Portuguesa do Ambiente. “É massacrante”, diz.
“Não temos culpa do avanço do mar” desabafa André Vicente, que residente em Água de Madeiros, na casa de família remodelada há 20 anos. “Cumprimos todas as distâncias e fizemos o que o PDM permitia”, assegura, defendendo que a prioridade deve ser “proteger arribas”. “É nossa casa, a nossa praia de sempre. Não tem a ver com investimento, mas sim com afectos e memórias”, afirma o morador, que admite estar “preocupado”.
O JORNAL DE LEIRIA tentou obter esclarecimentos da Câmara de Alcobaça, mas não teve resposta, tal como aconteceu em Julho num artigo sobre algumas das determinações do POC para as duas praias. “O concelho apresenta alguns problemas crónicos no que toca a este tema e falamos principalmente da segurança dos cidadãos, uma vez que estas zonas estão em conhecido risco eminente”, reconheceu o presidente da Autarquia, Paulo Inácio, durante a sessão de Assembleia Municipal realizada nesse mês. Citado pelo Região de Cister, o Autarca referiu ainda que as recomendações de realojamento das populações e renaturalização do espaço já estavam presentes no plano anterior.
Segundo a APA, o desenvolvimento das orientações previstas no POC “será feito no âmbito da alteração ou revisão dos planos territoriais pré-existentes [PDM, por exemplo], cujo procedimento deve ser iniciado no prazo máximo de um ano contado a partir da entrada em vigor do programa”, em Abril de 2019.