Já se sentem a salvo, mas o medo ainda as domina. Não por elas, mas por quem deixaram na Venezuela. E é por eles, por temerem pela sua segurança, que pedem para manter o anonimato. Josefina, Teresa e Isabel (nomes fictícios) são três dos cidadãos venezuelanos a frequentar as aulas de português da Cáritas Diocesana de Leiria, que escolheram Portugal para “recomeçar do zero”.
A primeira a chegar foi Josefina. Veio há quatro anos, depois de assistir ao sequestro do filho. “Levaram-no à minha frente”. Seguiram-se 24 horas de “terror”, a “rezar e a pedir a Deus para que ele aparecesse bem”. E Deus parece ter ouvido as preces. O filho foi libertado, “são e salvo”, mas nada seria como antes.
Nesse dia, a antiga professora decidiu que tinha de deixar a Venezuela. Passou a canalizar todas as suas forças e esforços para encontrar forma de o fazer. E começou a procurar um sítio onde viver em Portugal.
“Tinha um primo em Aveiro que esteve na Venezuela e que me falou da segurança do País”, conta Josefina. Acabou por ser o acaso que a trouxe para Leiria, porque foi nesta zona que conseguiu encontrar um local para viver. Aos 56 anos, Josefina e o marido tiveram de “começar do zero”, num país onde nunca tinham estado e onde muitos lhes diziam que eram “velhos de mais” para arranjar emprego.
Afinal, essas vozes estavam erradas. Começaram por fazer colheita de fruta, mas acabaram por conseguir contratos de trabalhos e hoje estão ambos empregados. [LER_MAIS] Entretanto, já têm junto de si os três filhos e quatro netos, dois dos quais nascidos em Leiria. E, embora ainda sonhe regressar à Venezuela, Josefina admite que, por eles, talvez não volte.
“Eles são mais importantes do que qualquer bem material”. Sentada a seu lado, Teresa abana a cabeça, em jeito de concordância. Passou a vida a trabalhar para conseguir uma “velhice com comodidade”, mas a insegurança que já há três anos se fazia sentir na Venezuela, levaram-na a refugiar-se no país de origem dos seus pais.
“O meu filho tinha começado a faculdade. Era uma tortura diária, ir levá-lo às aulas e não saber se voltava. Morriam muitos estudantes em tiroteios nas escolas. Um simples telemóvel, podia custar-nos a vida. Foi ele que nos pediu para sairmos. Dizia-nos que aquilo não era vida”, conta. E foi pelo filho que decidiu “fugir”. Porque, frisa, “isto não é emigrar. É fugir”. Hoje, Teresa sente-se segura em Portugal, mas essa segurança não lhe acalma totalmente a revolta por ter sido obrigada a sair da sua Venezuela, que lhe continua a prender o coração.
“Não é fácil pôr uma vida de 56 anos numa mala de 23 quilos”, diz, sem conseguir esconder a emoção. Admite, contudo, que essa dor tem sido atenuada com a chegada a Portugal de mais familiares. À cunhada Josefina juntaram-se recentemente duas sobrinhas, que com elas trouxeram os filhos ainda pequenos, e que hoje a fazem dividir-se entre Leiria e Santa Maria da Feira, onde se fixou quando veio para Portugal.
Isabel, uma das sobrinhas de Teresa, tem 23 anos e chegou a Leiria há quatro meses, juntamente com o filho de dois anos, e já conseguiu arranjar trabalho como esteticista. Antes, viveu dois anos na República Dominicana, para “juntar dinheiro para pagar as passagens” para Portugal. Ainda não conhece muito de Leiria, mas conhece o suficiente para considerar que é “uma boa cidade” para ver o filho crescer.
Tal como Josefina e Teresa, também Isabel tem esperança de que a Venezuela “regresse à normalidade”. “Não será com Maduro nem com o seu governo”, admitem as três, que continuam a sonhar com uma Venezuela com “paz” e “prosperidade”.
Cáritas promove aulas de português
Saberes Além-Fronteiras é o nome do projecto que a Cáritas de Leiria iniciou recentemente, com aulas de língua e cultura portuguesas para imigrantes oriundos da Venezuela, que têm chegado em número “crescente” à diocese.
Elda Santos, técnica de serviço social, explica que a iniciativa surgiu por proposta de uma aluna de Educação Social, que fazia voluntariado na instituição e que agora está aí e a efectuar o seu estágio curricular, e pretende dar apoio a esses imigrantes ao nível da língua.
O objectivo é “capacitar” essas pessoas “na leitura, na escrita, na oralidade e compreensão da língua, fomentando assim a sua autonomização nas tarefas do quotidiano”, adianta Inês Batista, autora da proposta. A jovem frisa que, embora parecidas, as línguas portuguesa e espanhola, “têm diferenças”, que, por vezes, criam dificuldades de comunicação. “Há palavras iguais que significam coisas completamente diferentes. Outras, têm uma pronúncia semelhante, mas escrevem-se de forma diferente”, refere.
Dinamizadas por Alice Cardoso, voluntária “com formação e experiência ao nível do ensino de população imigrante”, as aulas decorrem três vezes por semana, na sede da Cáritas Diocesana de Leiria.