A Ribeira de Quelhas, na ponta mais a norte do distrito de Leiria, já dentro dos limites da Serra da Lousã, está a transformar-se num local de peregrinação para os amantes do canyoning.
Todos os anos, dezenas de praticantes deste desporto de aventura e de comunhão com a natureza, sobem as encostas em xisto e propoem-se transpor uma dezena de cascatas e penhascos no leito do curso de água.
Nuno Brigas Santos e José Piedade são os fundadores da secção Pénacascata do Núcleo de Espeleologia de Leiria (NEL) e, provavelmente, dos principais responsáveis pelo interesse crescente pelo desporto na região e por este local no concelho de Castanheira de Pera.
“O canyoning é um desporto aquático que envolve manobras com cordas para a transposição de quedas de água e caminhada, sempre em contacto directo com a natureza”, explica Santos.
O técnico superior de Desporto na autarquia de Ourém descreve cenários ricos em técnicas de escalada, de rappel, e mesmo natação, em canhões estreitos, normalmente encontrados em rios de águas bravas e penhascos de pendentes elevadas.
Descer uma cascata activa, com o auxílio de uma corda e com água a cair constantemente na cabeça, confinado por paredes de pedra escorregadia, pode não parecer a melhor experiência do mundo, porém, quem pratica, garante que se trata de uma entrada de cabeça numa experiência quase espiritual, na medida que, além do desafio físico promove o autocontrolo e a superação de barreiras psicológicas.
Estas características levam mesmo a que haja empresas a oferecer experiências de canyoning aos seus colaboradores, como forma de, por um lado, os recompensar pelo seu zelo, e, por outro, como fortalecimento de laços entre os trabalhadores, uma vez que também existe uma dimensão muito grande de confiança na equipa, para superar obstáculos.
Paralelamente, além da prática lúdica de grupos de amigos, há quem faça os cursos de Iniciação ao Canyoning Desportivo, promovidos pelo Pénacascata, que permitem aos praticantes descidas colectivas, sempre com a supervisão de guias.
“Há várias coisas que, curiosamente, atraem no desporto. Temos, por exemplo, a sensação de desconforto provocada pela altura e pela água na cabeça, em especial no Inverno. No Verão, é mais agradável”, conta Brigas.
Ao longo da descida, a superação do medo e a adrenalina são duas condições constantes. Antes de se prender o arnês na via de descida, há sempre uma conversa com os elementos do grupo, para lhes explicar ao que vão.
“Promovemos objectivos, que passam pela condição física, pela superação de receios e de situações inesperadas. E não podemos esquecer a entreajuda entre praticantes. Para isso, incentivamo-los a participar e a desempenhar funções na actividade. Abre-se a oportunidade de promover o espírito de grupo.”
Nos últimos anos, tem havido a preocupação crescente de tornar o canyoning num desporto para prática adaptada e inclusiva. A tarefa não tem sido fácil, contudo, há já provas destinadas a este público.
O próprio Pénacascata está “atento” e vê com interesse este desenvolvimento. É no Inverno que o canyoning se revela em dificuldade técnica e pulsação acelerada.
Com as chuvas, os caudais aumentam e o desporto torna-se numa prática para verdadeiros conhecedores. De Outubro a Abril, apenas os mais experimentados pisam as vias de descida nas fracturas rochosas.
“Entre Maio e Outubro, o cenário muda, com menos água, sendo o período mais indicado para quem tem pouca experiência.”
A secção NEL-Pénacascata foi criada em 2015, quando Brigas, 45 anos, e José Piedade, 49 anos, que já praticavam o desporto e tinham organizado descidas, avaliaram a possibilidade de criar uma associação para o promover. Após alguma discussão, surgiu-lhes a ideia de indagar a possibilidade de se juntarem, como secção, ao Núcleo de Espeleologia de Leiria.
Fizeram ao proposta e foram aceites. “Isto permitiu aprofundar a formação através do NEL e consolidar o trabalho”, adianta Brigas.
O NEL-Pénacascata é membro da ICA-Internacional Canyning Association e o clube de Leiria foi responsável pela organização de provas no Campeonato Nacional de Canyoning, em 2016 e, na Taça de Portugal, em 2017.
Seguro morreu de velho
Para praticar canyoning, em primeiro lugar, é preciso uma mudança mental. O “senso-comum” que, por vezes, domina em demasia as nossas acções do quotidiano, deve ser substituído pelo “bom- -senso”. Depois, há o equipamento de segurança, que inclui um capacete, um fato isotérmico com três a quatro milímetros de espessura, um arnês, mosquetões, um descensor e botas específicas para a actividade. Porém, tão importante quanto as cordas, é o seguro de acidentes pessoais. Por apenas 3,5 euros, por cada descida, evitam-se custos desnecessários, caso haja algum percalço. “Sem seguro, não se deve praticar canyoning”, adverte Nuno Santos.