A Associação Portuguesa de Surdos (APS) luta, diariamente, para que os direitos da comunidade surda sejam devidamente reconhecidos pela sociedade. No papel, eles já existem, mas faltam acções práticas que garantam uma plena integração destas pessoas na comunidade. Pedro Mourão, presidente desta entidade, diz mesmo que o desconhecimento da Língua Gestual Portuguesa (LGP) contribui para a “exclusão diária da comunidade surda, dificultando a sua integração e o seu acesso a serviços essenciais”.
“Infelizmente, o conhecimento da LGP entre a população portuguesa é ainda muito limitado, e poucos têm qualquer capacidade de comunicação básica nesta língua”, lamenta o dirigente, atribuindo esta falha à falta de ensino de LGP no currículo escolar.
A visita a um centro de saúde, por exemplo, pode ser um desafio para alguém surdo, que não tem garantida a presença de um intérprete em consulta. O direito à educação bilingue e ao acesso a serviços de saúde com interpretação em LGP está consagrado na lei, mas “a implementação desses direitos é inconsistente e, muitas vezes, insuficiente”.
Por isso, a evolução das acessibilidades para a comunidade surda tem sido um processo não linear e que varia entre sectores.
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Pedro Mourão dá o exemplo do sector da cultura, onde surgem iniciativas inclusivas, como a disponibilização de intérpretes ou versões digitais de alguns conteúdos. “Vemos, hoje, mais museus a incluir traduções para LGP e a valorizar o envolvimento de profissionais surdos no processo, o que garante uma tradução que respeita a riqueza cultural e linguística da comunidade surda.”
Ainda assim, o presidente da APS defende que a integração deve ir além da presença de intérpretes, “frequentemente considerados uma solução suficiente”.
O envolvimento da comunidade surda na criação de iniciativas que melhorem o seu bem-estar configura a “verdadeira acessibilidade”, já que são estas pessoas que melhor entendem as suas necessidades.
Pedro Mourão nota que já existe uma abordagem mais profissional e estruturada em diversas iniciativas, mas realça que esta situação “não é a norma”. “Em muitos casos, a acessibilidade para pessoas surdas é tratada como uma obrigação burocrática e não como um compromisso real com a inclusão”, lamenta.
Sensibilização social é essencial
Ainda há um longo caminho a percorrer para melhorar as acessibilidades e Pedro Mourão deixa algumas sugestões.
Ao referir que este trabalho merece uma abordagem “ampla e prática”, o dirigente começa por sugerir a implementação de formação específica em LGP para profissionais nas áreas da saúde, educação e atendimento ao público, considerando “urgente” a capacitação de médicos. A LGP também deveria ser integrada em “vários sectores público e privados, onde uma comunicação acessível é fundamental”.
A criação de plataformas digitais e serviços de comunicação também poderiam facilitar o acesso à informação, com a introdução de legendas em conteúdos audiovisuais ou a oferta de soluções em LGP para sites e aplicações móveis, acrescenta.
Enumerando ainda a formação dos trabalhadores nos seus locais de trabalho, Pedro Mourão sublinha que as oportunidades de progressão nas carreiras também devem ser acessíveis, sem barreiras linguísticas.
E a sensibilização social “é essencial”. “Campanhas de consciencialização devem ajudar a sociedade a compreender a realidade da Comunidade Surda, promovendo uma visão respeitosa que valorize a autonomia e cultura gestual, evitando abordagens assistencialistas”, admite.