Era exactamente assim que imaginava a Planimolde quando a constituiu há 40 anos? Não, era impossível imaginar o que poderia vir a ser a Planimolde 40 anos depois. Comprámos uma pequenina empresa, que trabalhava apenas para o mercado nacional, que transformámos logo, de forma a trabalhar com o mercado internacional, que era aquele onde já estávamos habituados a operar. Dois anos depois, já estávamos a trabalhar nesta localização. Mas nada disto era como é hoje. Só havia um pavilhão e de início a maior parte da equipa era constituída por nós, os sócios. Juntos seríamos uns 15. Agora somos 68. Era difícil imaginar o futuro de uma empresa que foi constituída quatro anos após o 25 de Abril, num contexto frenético, até do ponto de vista político. Recordo-me que nessa altura, quando chegava a casa muito tarde, vindo de trabalhar, costumava dizer 'é só agora, nos primeiros anos, e depois chego mais cedo'. Isso nunca aconteceu.
Há receitas para manter uma empresa assim tão dinâmica ao longo de quatro décadas? Há receitas. A minha receita pode não ser exactamente igual à receita de outro empresário. Mas a minha receita é: honestidade e credibilidade nos processos, muito empenho no trabalho, motivar todos os colaboradores para trabalharem connosco e inovação constante, no sentido de melhorar os nossos procedimentos. E é também alguma sorte. Embora a sorte dê muito trabalho.
Houve momentos em que desejou não ser patrão?
Não gosto muito da palavra 'patrão'. Gosto mais de 'líder de projecto'. Mas é claro que em algumas ocasiões nós pensamos para quê tanto sacrifício e tanta luta. Mas, imediatamente a seguir, quem tem este sentido de ir fazendo coisas, ganha ainda mais força para continuar mal se acaba essa atitude mais negativista. As fases mais difíceis foram as das crises internacionais, que trouxeram dificuldades à empresa. Mas essas dificuldades nunca nos levaram a deixar de cumprir com todas as nossas obrigações. Por isso, também nessas fases mais difíceis, tivemos sempre o apoio de quem confia em nós, nomeadamente as entidades bancárias. Houve também fases de dificuldade emocional. Começámos com nove sócios e houve uma altura em que começaram a sair sócios. De algumas saídas não tivemos pena especial. Já outros, quando chegavam a uma idade em que começavam a ter dificuldades em acompanhar a evolução tecnológica da fábrica e do sector, e que era preciso tomar uma decisão de gestão que deixava de os envolver, tudo isso trazia esse sentimento, essa pergunta, 'será que valeu a pena?'. E chegou a uma fase em que todos os sócios venderam as suas acções à LN. Nessa fase, por um lado, resolveu-se um problema. Mas, por outro, foi também um momento em que o ADN da empresa se transformou e seguiu procedimentos diferentes daqueles que existiam aquando do seu nascimento. Foi uma fase conturbada para mim próprio, que fiquei na direcção da empresa, mas sujeito a outra filosofia. Foi uma dificuldade para mim e também para a empresa. Porque, deixando de ter dificuldades financeiras, passou a trabalhar para um grupo, desvalorizandose a si própria. Isso custou.
No futuro, quais serão os maiores desafios que vão colocar-se à indústria de moldes?
Somos um sector que trabalha essencialmente com mercados exter-nos e, sempre que acontece alguma coisa de mal lá fora, somos afectados. Há sempre o problema de não saber como é que o mundo vai evoluir. Se temos um lunático a comandar os destinos do mundo, através dos Estados Unidos, ou se temos outro lunático qualquer, que tenha uma bomba atómica, todo o sector é afectado. Mas numa situação normal, tenho muita confiança no sector de moldes. Porque é um sector muito importante para Portugal e por tudo o que ele representa em termos tecnológicos. E porque o sector ainda tem uma dimensão pequena face à necessidade mundial de moldes para a indústria de plásticos. Mas há problemas mais complicados de resolver, e por isso também mais desafiantes. A evolução tecnológica decorre de forma tão rápida, que exige duas coisas: formação dos colaboradores e capacidade financeira para acompanhar a aquisição dessas tecnologias. Mas como já cá ando hámuito tempo, ainda recordo de como receámos a introdução do computador. E a verdade é que ele veio ajudar a resolver problemas que tínhamos. E se nessa altura, aquando da introdução do computador na produção, foi a indústria de moldes que liderou esse processo. Agora, aquando da chegada da Indústria 4.0, também é esta indústria que está a trabalhar nesse sentido.
Temos assistido à chegada dos fundos à indústria de moldes. O futuro trará mais aquisições?
É uma moda. Eu não sou contra os fundos, desde que não venham para o sector a pensar que fazem mais-valias de imediato e depois desaparecem. Se os fundos vierem para as empresas com a intenção de lhes dar capacidade financeira, para elas se desenvolverem, não sou contra os fundos. Agora, tenho dúvidas de que eles funcionem nesse sentido.
Que armas têm as empresas familiares para competir com fundos e multinacionais?
Se as empresas familiares considerarem que, mais importante que a família, é a empresa, continuam a ter capacidade para competir. Ou seja, se tiverem discernimento suficiente para se defenderem, através da melhoria da sua empresa, a família defende-se também. Agora, se a empresa familiar entender que, só porque alguém é membro da família tem de ser dirigente da empresa, então não vai a lado nenhum. Já se a empresa familiar considerar que para defender a sua própria família tem de colocar em posições-chave aqueles que são mais capazes, então não vejo problema.
No caso da Planimolde como está projectada a sucessão?
A Planimolde pertence neste momento a dois accionistas. A mim próprio e a um amigo, que não tem nada a ver com a indústria de moldes, mas que confiou em mim e nas minhas capacidades para defender o seu próprio investimento. E está sustentada numa estrutura de técnicos, de colaboradores, que vão trabalhando sem uma intervenção muito grande da minha parte, que apenas vou vendo se as coisas estão a correr bem. Até porque espero vir a descansar mais, daqui a algum tempo. E não tenho muitas dúvidas de que a empresa continuará com eles. Mas não sou eterno, não pretendo ser, nem acho que haja pessoas insubstituíveis nas organizações. Mas neste momento também já tenho a minha filha a trabalhar aqui comigo e isso dá-me um suporte moral para continuar.
Nasceu na Maceira, mas já adoptou a Marinha Grande. Que sentimento o assalta quando vê o que resta do Pinhal do Rei?
Tristeza. Fico com o sentimento de que nós todos – Estado, poderes políticos locais, pessoas que aqui moram – não soubemos estimar um bem que é de todos. É fácil culpar o Estado de tudo, mas o Estado somos todos nós. Uns por desleixo, outros por falta de vontade de intervir, deixámos que a mata chegasse às condições a que chegou. Embora reconheça que aqueles também foram dias atípicos, com calor, vento e aproveitamento de alguns pirómanos. Só espero que aquilo que aconteceu sirva de exemplo, para que nunca mais se repita.
Que avaliação faz do actual executivo socialista na Câmara da Marinha Grande?
Tenho uma visão de Autarquia que é diferente dos processos autárquicos que se têm vindo a desenvolver na Marinha Grande. Desde os mandatos de Álvaro Órfão nunca mais existiu uma Autarquia com sentido de governo local. É uma Autarquia que vai gerindo os problemas que vão acontecendo sem sentir que governa o território e que tem de ter atitudes pró-activas. Sem deixar de pressionar o Governo Central, para lhe dar as condições essenciais, tem de governar sem ser pedinchona. Tem de governar com projectos próprios que possam ser credíveis, de forma a que o Governo lhe dê condições para os executar. Falo mais daqueles que me preocupam – sendo eu fundador do Partido Socialista, sou mais crítico dos meus – mas outros também fizeram coisas más, ou nem fizeram. Além disso, hoje uma Autarquia não se governa ficando apenas dentro dela. Uma Autarquia governar-se conhecendo o mundo. E, neste momento, como nos últimos mandatos, a Autarquia foi governada sem saber o que se passava no mundo. Isso prejudicou-nos. Isto, independentemente de eu considerar que todos eles são empenhados, que trabalham bastante e fazem o melhor que podem para dar resposta às necessidades da população.
Não se refere apenas aos vereadores socialistas.
Dentro da Câmara, sejam os vereadores que venceram as eleições sejam os vereadores que saíram como oposição, todos são executivo. E um executivo tem de pensar em todo o território e não apenas no seu partido ou no seu movimento. Isso também não acontece. Há um amigo meu que utiliza esta expressão e eu concordo em absoluto: “isto não basta falar, é preciso pôr o pescoço no cepo”. E há um movimento que diz por aí “se fosse eu faria melhor”. Então que faça melhor. Que ajude a que se faça melhor. A minha crítica não é só para quem venceu as eleições, mas para o conjunto. Na Marinha Grande o PS não tem maioria na Câmara e, para que se possa governar melhor, mostrou-se disponível para entregar pelouros à oposição. No caso ao PCP, que é o segundo partido. O PCP pura e simplesmente rejeitou. E isso não é ter sentido de responsabilidade na governação de um território. E com o avançar do mandato estão a agravar-se as dificuldades de governação, porque as oposições julgam que quanto pior fizerem, melhor é para si.
Muitos defendem que este Município não tem sabido acompanhar, na cultura, na saúde, no turismo, a dinâmica empresarial. Concorda?
Concordo. Não em absoluto, mas genericamente concordo. Não é só agora, não é só este executivo. Constato que não tem sido um interlocutor constante e não tem sido um seguidor da grande inovação, do grande empenho e do grande desenvolvimento que alguns sectores têm na Marinha Grande, como por exemplo o de moldes e o de vidro de embalagem.
Não tendo capacidade para acompanhar, tem pelo menos apoiado?
Se não apoiam mais não é por finca- pé. É porque vai funcionando assim e vai funcionando bem, e pronto. Mas gostaria muito que esta Autarquia fosse mais lesta a tratar do problema da zona industrial e do problema gravíssimo de circulação de camiões dentro da cidade, mais lesta a tentar, com outras autarquias, que a Linha do Oeste seja requalificada, mais lesta até na intervenção nas praias, nomeadamente em S. Pedro de Moel.
Foi convidado a liderar a lista do PS à Câmara nas últimas eleições. Não aceitou porquê? Fui convidado e não foi só desta vez. No período em que eu próprio tinha vendido as minhas acções à LN, estava mais liberto, pensei muitas vezes no que poderia fazer se saísse da empresa. Não estava a ver que pudesse sair para outra empresa onde me fosse tornar concorrente da Planimolde. Pensei que ou ficaria com os meus miúdos para os poder educar na parte desportiva, que é uma área que eu gosto, ou que, ficando mais liberto, pudesse ir para a Câmara, como presidente ou vereador. Nessa altura, cheguei a pensar. Mas talvez outras pessoas tivessem essa expectativa para elas próprias e eu não tinha a expectativa de fazer vida disso. Tinha expectativa de poder contribuir com a minha experiência para a terra que me acolheu. Depois dessa fase, não ia pôr em risco a actividade da minha empresa para poder ser presidente da Câmara.
Foi por isso que não aceitou esse desafio nas últimas autárquicas?
Chegaram a falar-me nisso. Mas havia uma ordem natural. Esta presidente, que é uma jóia de senhora, já estava na Câmara. Além disso, eu continuava na Planimolde. E mais. Também achava que estava há tempo de mais nestas lides, e por isso nem quis assumir a candidatura à presidência da Assembleia Municipal. Estava lá desde 1976. Não quer dizer que, se eu tiver saúde e vontade, não possa voltar à vida política. Mas neste momento não é de todo um objectivo.
O que seria diferente com Telmo Ferraz à frente da Câmara?
Seria diferente, porque eu não iria para a Câmara para manter as posições da orgânica da Câmara. Eu iria necessariamente enfrentar o 'deixa andar' que em muitos casos se vê na Câmara. Poderia resultar ou não. Não sei se seria eu a vencer ou os directores e toda a orgânica. Mas não estaria à espera que as coisas acontecessem. [LER_MAIS] Tenho um estilo diferente. Talvez fosse mais dialogante, mais congregador, talvez escolhesse técnicos que me pudessem ajudar no que a Câmara mais precisa, que é prestar um serviço de excelência aos munícipes.