Carlos Barbosa ensina concertina há 27 anos, na Caranguejeira (Leiria). Em Abril, concretizou um sonho antigo e abriu uma escola de concertinas e acordeão. Passados apenas quatro meses, diz que a sua é a “maior escola de concertinas da região” com mais de 100 alunos.
O mais velho tem a provecta idade de 83 anos e a mais jovem apenas cinco. A razão para o sucesso, além do alegre som do instrumento que cativa todos quanto o escutam, é o método de ensino, único, criado pelo próprio Carlos Barbosa.
E não fique a pensar que as concertinas apenas tocam modas e viras tradicionais portugueses. Os alunos que frequentam a escola que funciona nas instalações do Rancho Folclórico do Vale da Rosa são ases a fazer interpretações de temas como o Despacito ou o velhinho Enola Gay, não desdenhando uma incursão ao território da kizomba e do kuduro.
Tocam até temas que fizeram os anos 80, como Em Playback, de Carlos Paião. O ensino da concertina, por norma, é feito por ouvido, mas como os “povos do sul” são mais duros de tímpano, ao contrário dos portugueses nortenhos, onde o instrumento é popular, Carlos numerou os botões da concertina e a abertura e fecho do registo.
[LER_MAIS] Com o passar do tempo, a coisa fica mecanizada e os dedos procuram, instintivamente, os botões "Se metesse uma partitura à frente dos alunos, eles desistiam logo", garante, adiantando que quando vai ao Norte de Portugal e fala do seu a esquema para tocar, “os tocadores até se riem".
O acordeão tem 60 botões, a concertina apenas 12 e faz um som a abrir o fole e outro a fechar, a mão direita toca a melodia, a esquerda o acompanhamento e o ritmo (baixo e acorde), isto implica um cérebro capaz de estar concentrado em várias tarefas ao mesmo tempo. Multitasking, como agora se diz por aí.
Casais e famílias aprendem a tocar
Entre os alunos tem curiosos, casais e até famílias inteiras. É rara a festa onde o grupo de concertinas da escola vá tocar sem alistar mais um novo aluno. Agostinho Costa é o mais antigo dos discípulos do mestre. Aluno há quase oito anos é, hoje, uma espécie de adjunto de Carlos Barbosa.
Pelo menos, oficiosamente. “Sempre gostei do som e do aspecto do acordeão e assim que consegui inscrevi-me nas aulas, mas desisti devido ao grande peso do acordeão, que me magoava a coluna. Dois anos depois, apercebi-me das aulas de concertina e fui tentar saber o que era aquilo. Comprei a concertina antes sequer de falar com o Carlos", recorda.
As primeiras aulas foram um exercício desgastante e Agostinho saía a transpirar dos ensaios. Com o tempo, apanhou o jeito e, actualmente, actua, quase todos os fins-de-semana, com o grupo de concertinas da escola.
“Os alunos começaram a reunir- se em pequenas bandas e vão actuar graciosamente a festas religiosas, das freguesias e em lares.” Só pelo gosto da música. “Na escola, temos muitos alunos adolescentes e jovens adultos que se deixaram conquistar pelo som deste instrumento tradicional.
Na festa de encerramento do ano lectivo, a 29 de Julho, tivemos muitos jovens tocadores de concertina”, explica Agostinho, garantindo que o interesse é cada vez maior e que já poucos consideram a concertina “um instrumento de velhos e barrigudos". As raparigas também tomaram o gosto pela música da concertina e há até um grupo infantil com crianças, entre os seis e dez anos.
“Vêm pessoas de Pombal, Marinha Grande e Leiria e até há um grupo de 20 emigrantes que se deslocam à escola apenas para receber lições durante as férias de Verão no nosso País”, afirma Carlos Barbosa que tem uma panaceia única para todos os aspirantes a tocadores de concertina: aulas individuais de 40 minutos, domingos incluídos.
A partir de 11 de Setembro a escola voltará a abrir para mais um ano lectivo a ensinar acordeão e concertina. “A concertina está na moda!”, garantem.
“Um acordeão é como um piano”
Carlos Barbosa recorda que as primeiras lições deu-as em casa dos avós, muito antes de dar aulas no Instituto de Jovens Músicos da Caranguejeira, fundado pelo irmão, Jorge. A aventura musical começou por “culpa” do avô e do pai.
O primeiro tocava acordeão e o segundo comprou um para o irmão, Jorge, mas o instrumento não o cativou. Foi por isso que Carlos herdou o acordeão e, com a ajuda do avô, que foi o seu "pilar" de aprendizagem, tornou-se mestre a tocar partituras inteiras nas teclas alvi-negras do instrumento de fole.
Para melhorar a arte, inscreveu-se numa escola em Ourém e foi aí que descobriu a concertina, um instrumento que, até então, era praticamente desconhecido na região Centro. Teve mesmo de ir comprar uma ao norte do País, região onde, assegura, há grandes mestres e tocadores.
“Acabei por comprar uma concertina velha e custou-me 300 euros. Aprendi a tocá-la sozinho. Quando alguns alunos de acordeão me ouviram a tocar, pediram que os ensinasse. Recusei e andei uns seis meses a dizer-lhes que não. Até que me deram a volta. Comecei por ensinar por ouvido, mas, não resultava. Foi quando criei o meu método.”
Embora sejam parecidos e facilmente confundidos por quem não está dentro do mundo da música, o acordeão e a concertina têm características díspares. "Um acordeão é como um piano. Há uma partitura e podem-se tocar as mesmas peças em ambos os instrumentos”, explica Carlos Barbosa.
A relação entre ambos é tão íntima que até os nomes são semelhantes. A designação completa do acordeão é “acordeão cromático” e a da concertina é “acordeão diatónico”.