Brócolos a 1,19 euros o quilo, couve flor a 1,99 e alface a 3,45 euros. Estes foram os preços a que algumas cadeias de distribuição venderam estes artigos na semana entre o Natal e o Ano Novo, de acordo com um levantamento feito pelo deputado Ricardo Vicente, que questionou a ministra da Agricultura sobre a “prática de preços abusiva das grandes cadeias”.
É que, na região Oeste, estes mesmos produtos foram pagos ao produtor a 9, 14 e 18 cêntimos, respectivamente, logo, com “margens de lucro superiores a mil por cento”. O deputado do Bloco de Esquerda, de Leiria, fala em “abusos da grande distribuição no pagamento aos agricultores”. Estes foram “miseravelmente pagos e os consumidores pagaram caro”.
O problema não é novo, mas tem-se agravado, de acordo com os agricultores ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA. “A distribuição aproveita-se da fragilidade da produção para ter as margens que quer”, lamenta Domingos Santos, presidente da Associação de Produtores de Pera Rocha do Oeste (Bombarral).
“Se é legal? É. Se é ético? Não”, frisa o também presidente da Federação Nacional das Organizações de Produtores de Frutas e Hortícolas e vice-presidente da Confederação de Agricultores de Portugal, defendendo que “são precisas políticas firmes e fortes que fomentem a organização da produção, para que esta possa falar com a grande distribuição de igual para igual”.
Neste momento, trata-se de um “David contra Golias”, tal o desequilíbrio de forças. “Os produtores sentem-se ultrajados, porque não há uma distribuição justa do valor ao longo da cadeia”, diz Domingos Santos, que sublinha que é necessário que o Estado tenha um papel regulador e crie instrumentos que permitam aos pequenos agricultores organizarem-se.
“Se a grande distribuição compra um produto a 19 cêntimos o quilo é porque há excesso de oferta. Não há mecanismos de gestão de crise e não houve planeamento na produção. Mas só a pode haver se os agricultores estiverem organizados, porque são milhares, e as cadeias de distribuição são seis ou sete”.
Também Fábio Franco diz que a distribuição aproveita a fragilidade da produção para esticar as margens. “Notamos uma diferença brutal entre o que nos é pago e o preço a que os produtos são vendidos ao consumidor”, explica o produtor do Vale do Lis.
O jovem afirma que falta regulação e que muitas vezes falta também consideração das cadeias de distribuição pela produção nacional. E exemplifica. “Quando um produto escasseia, o preço tem obrigatoriamente de subir. Só que o que acontece frequentemente é que a distribuição importa produto, em vez de comprar cá, para nos obrigar a manter os preços baixos”.
[LER_MAIS] Fábio Franco diz que foi isto que aconteceu recentemente com a alface. “Devido ao frio, a oferta escasseou e estávamos à espera que os preços pagos ao produtor subissem. Mas o que aconteceu é que foram importadas alfaces de Espanha”. E os preços pagos aos agricultores nacionais não aumentaram.
Apesar de tudo, o jovem produtor reconhece que trabalhar com as grandes superfícies também tem vantagens. “São um bom canal de escoamento, que não falha, e que assegura a compra de grandes volumes”. O reverso da medalha é que muitas “valem-se disto para explorar ao máximo os produtores”.
Presidente da Associação de Agricultores de Alcobaça, Filipe Ribeiro sublinha que “não se pode generalizar”. Se é verdade que há operadores que “esmagam os preços na produção”, sem que tal se traduza em descida dos preços ao consumidor, também há os que “pagam ao produtor a valores aceitáveis e vendem a preços aceitáveis”, praticando margens de lucro menores.
Para o produtor de Alcobaça, o problema é a concentração da distribuição – poucas insígnias, cada uma delas com um elevado número de lojas – aliada à fragilidade da produção e à falta de regulação.
Em resposta ao deputado Ricardo Vicente, a ministra da Agricultura lembrou que foi retomada a PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações da Cadeia Agroalimentar) e disse que o Governo “se compromete a transpor uma directiva comunitária com algumas medidas relevantes até 1 de Maio”, iniciativa que, diz o deputado, está a ser atrasada há dois anos. “Não adiantou nada sobre medidas concretas”.
Questionada pelo JORNAL DE LEIRIA sobre a discrepância entre os preços pagos ao produtor e aqueles a que os produtos são vendidos, a Associação das Empresas de Distribuição não respondeu até ao fecho da edição.