Pela janela entra a luz de um fim de tarde sem sol; uma claridade ténue coada pelas árvores, que não deixa sombras e apenas permite o claro escuro nas cores dos móveis, das paredes, e do chão. A copa da árvore enche a janela deixando apenas uma nesga de espaço para o céu cinzento-claro onde os pequenos pássaros escuros volteiam.
O silêncio mistura-se com a penumbra, e a imobilidade absoluta de todas as coisas torna-as intensamente presentes, com uma espécie de vida própria que atrai o olhar para cada curva, para cada tonalidade da madeira, para o desenho da chave, do puxador da mesinha, dos pés da cama, para o contorno da porta entreaberta e para a linha de luz que por aí entra vinda da claraboia da escada.
Vim para pensar o que escrever. Deitei-me por cima da colcha, recostada no grande almofadão, e o ligeiro movimento das minhas mãos cruzadas em cima da barriga, provocado pela respiração, é o único que acontece dentro deste espaço. Penso na sua universalidade; somos oito bilhões de humanos diferentes em tudo, à excepção deste pequeno movimento que se repete incessantemente até ao nosso último dia. E divago um pouco por essa ideia.
Lembro-me depois das respirações aceleradas dos atletas paraolímpicos que vi há pouco, e no entusiasmo demonstrado em relação ao seu esforço e aos seus feitos, tão diferente do entusiasmo de há 15 dias com as vitórias dos corpos perfeitos; será que, talvez, se incentiva e aplaude a conquista, não como feito de um qualquer atleta, mas como apaziguamento de algum sentimento de culpa? O que é um corpo perfeito? O meu, não.
Divago outra vez neste caminho, e não encontro onde pousar o pensamento de forma que permita alinhavar-lhe as ideias. Pela outra janela, aberta, chega o som distante de um carro, misturado com o marulhar das folhas do sobreiro e do alto e esguio eucalipto que uma rajada de vento faz dançar com a luz. É isso que faço: fazer dançar quem quer que seja que o deseje; e fazer com que o desejem.
Serão as adultas mais velhas a começar, daqui a poucos dias, a propósito de uma exposição que quer chamar a atenção para o facto de envelhecer ser normal, e coisa do corpo, não da mente. É estranho que seja necessária essa chamada de atenção, como se não fosse acontecer a todos ir perdendo o louvado corpo da juventude e a cabeleira prometida pelos champôs.
O medo dessa transformação há de vir do desconhecimento da diferença entre a efemeridade do bonito e a eternidade do belo. Ou então do medo da morte; mas a morte é certa, e mais vale fazer por estar vivo como deve ser. O pensamento fugiu e voltou depois à maciez do almofadão. As férias estão a terminar; o Verão também.
Lembro-me de verões antigos em que as férias compridas faziam nascer a vontade dos cadernos novos, das camisolas e das galochas, e reparo que ainda não estive ao sol tempo que me bas-tasse, e menos ainda parei, em frequência e em quantidade que me impedisse a vontade de parar.
Preciso de aprender a quietude, de saber ficar por dentro como agora estou por fora. E estou muito bem aqui, quieta, a divagar; só ainda não sei o que escrever, estou sem ideias para alinhavar.