O problema é democrático. Vai do chão de fábrica ou da obra aos escritórios e gabinetes de administração, num sem fim doenças ou lesões, mais ou menos, específicas de cada profissão.
Umas mais graves do que outras, a verdade é que todas condicionam, de alguma forma, a vida e o desempenho do trabalhador, obrigando a despender tempo e dinheiro em consultas e tratamentos e, nas situações mais graves, forçando a mudança de actividade profissional ou mesmo à aposentação antecipada por incapacidade.
A Organização Internacional do Trabalho estima que, a cada 15 segundos, morra um trabalhador por acidentes ou doenças relacionadas com o trabalho. Mas, muitos problemas, poderiam ser minorados ou evitados se houvesses mais atenção às condições de trabalho e às regras de segurança.
Também aqui, as palavras- chave são prevenção e sensibilização, o foco do Dia Nacional de Prevenção e Segurança no Trabalho, que se assinada este sábado, dia 20, com comemorações na Marinha Grande.
"A saúde e o trabalho são dois tesouros importantes que a sociedade deve proteger. É muito pelo trabalho que nos realizamos. Temos uma motivação. Somos produtivos e sentimo- -nos úteis. Mas o trabalho deve ser saudável”, afirma o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina no Trabalho, Jorge Barroso Dias.
Embora Portugal não tenha ainda estatísticas “muito robustas” sobre as doenças dos seus trabalhadores, as patologias musculoesqueléticas, associadas a movimentos “repetitivos ou muito esforçados”, como as tendinites provocadas pela inflamação das articulações nos punhos, cotovelos ou ombros, são as mais frequentes no mundo do trabalho, refere aquele médico.
As lombalgias (dores na coluna),muitas vezes relacionadas com “más posturas e mau uso da coluna”, motivam também muitas queixas entre os trabalhadores e são, segundo um estudo recente da Sociedade de Patologia da Coluna Vertebral, uma das principais causas de ausência ao trabalho e um dos motivos que mais pessoas leva ao médico, representando mais de 50% das causas de incapacidade física nos adultos.
Especialista em Medicina no Trabalho, José Luís Brandão frisa que as posturas incorrectas podem estar relacionadas com a “inadequação” do equipamento, como cadeiras, secretárias ou iluminação, mas também dever- se ao trabalhador que, tendo o material indicado, o usa incorrectamente.
“Senta-se torto, coloca o rato muito próximo da beira da secretária e, passado algum tempo, ganha uma tendinite”, exemplifica aquele médico.
As tendinites, a par das lombalgias, são uma das queixas mais frequentes que a fisioterapeuta Ana Amado ouve no seu gabinete. A técnica frisa, contudo, que muitas dessas situaçõessituações poderiam ser evitadas com gestos “simples”, como apoiar os joelhos a 90 graus quando se está sentado, ter as costas e os cotovelos apoiados e não trabalhar com os ombros contraídos.
Depois, se se trabalha ao computador, o ecrã deve estar ao nível dos olhos. Para quem passa o dia a executar movimentos rotineiros e repetitivos, é aconselhável “fazer alongamentos dos membros superiores, para contrariar a posição em que se esteve durante todo o dia”, acrescenta a fisioterapeuta.
Em ambiente fabril, é “fundamental” usar os equipamentos de protecção, defende Jorge Barroso Dias, frisando que a surdez continua a ser uma das doenças profissionais mais diagnosticadas.
“Ainda temos muito ruído industrial e trabalhadores que não se protegem convenientemente, apesar do equipamento que têm à disposição. Devemos reforçar a ideia de cultura de segurança integrada”, afirma o presidente da SPMT.
José Luís Brandão não podia estar mais de acordo. Nesse sentido, sublinha o papel que os médicos do trabalho podem desempenhar, são só enfatizando as regras de segurança, mas também transmitindo “dicas” ao trabalhador para corrigir determinados comportamentos e, dessa forma, evitar lesões.
[LER_MAIS] “Por exemplo, se ao baixar- se para pegar algum objecto, dobrar os joelhos em vez da coluna, evitará dores nas costas”, refere o especialista, reforçando a ideia de que “todos ganham se todos andarem com saúde”.
“Um trabalhador com uma doença vai ter maior absentismo até porque, muitas vezes, as patologias profissionais levam a períodos de baixa prolongada. São, na maior parte dos casos, situações crónicas, que se estendem no tempo e exigem tratamentos longos. Enquanto isso, a entidade patronal está privada daquele colaborador”, nota José Luís Brandão, frisando, contudo, que apesar do prejuízo para a empresa, “o foco é sempre o trabalhador”.
Riscos psicossociais
Se até há alguns anos, as doenças profissionais estavam, sobretudo, associadas a patologias do foro físico, nos últimos anos, ganharam espaço as incapacidades para o trabalho derivadas de factores psicossociais.
No último inquérito nacional às condições de trabalho, datado de 2015, cerca de 32% das pessoas questionadas referia como um dos factores condicionantes do seu bem-estar o stress no trabalho.
Esse dado foi realçado pela Inspectora- Geral da Autoridade para as Condições de Trabalho, Luísa Guimarães, durante o III Simpósio Ibérico de Riscos Psicossociais, realizado na semana passada em Coimbra.
Na ocasião, a dirigente defendeu que “a abordagem cada vez com mais ênfase nos aspectos psicossociais é absolutamente essencial para que as organizações se adaptem às mudanças cada vez mais rápidas do mundo do trabalho, fruto da evolução tecnológica, tendo em vista continuarmos a caminhar no sentido do desenvolvimento de uma verdadeira cultura nacional de prevenção”.
Citada por um comunicado da organização daquele simpósio, Olga Sebastián Garcia, directora do Instituto Nacional de Segurança, Saúde e Bem-Estar no Trabalho (IUSSBT) de Espanha, reconheceu que, apesar do que já foi alcançado em países como Espanha e Portugal, em matéria de prevenção dos riscos laborais, “ainda há muito por fazer”, sobretudo nos aspectos relacionados “com as novas formas de organização do trabalho”.
“A globalização da economia teve consequências no mercado de trabalho, com a reconversão, a flexibilização e a reengenharia dos processos de trabalho”, factos que, segundo Olga Sebastián Garcia, deram visibilidade para a área dos riscos psicossociais como “verdadeiro elemento a observar para uma população trabalhadora saudável e umas condições de trabalho óptimas”.
Também o presidente da SPMT reconhece que nos últimos anos houve melhorais “significativas” nas condições de trabalho, quer pela via legislativa quer pelo aumento das acções inspectivas e do incremento dos técnicos de higiene e segurança no trabalho.
No entanto, há ainda “um caminho a percorrer”, nomeadamente através da sensibilização e de consciencialização para que “a segurança e saúde sejam integradas no trabalho e na preparação de cada tarefa”.
Além do reforço da componente da sensibilização, José Luís Brandão considera que é também necessário uma “afinação” da legislação e no processo de avaliação das doenças profissionais. “A Lei está feita para proteger os trabalhadores, só que também defende muito bem os oportunistas”, alega o médico.
O clínico explica que, quando há suspeita de doença ou lesão profissional, o caso é reportado para o departamento de protecção contra os riscos profissionais, integrado no Ministério do Trabalho, da Segurança e da Solidariedade Social, em Lisboa, que faz a avaliação e atribui ou não o estatuto de doença profissional.
Ora, “há pessoas que apresentam queixas e até lesões que sabemos que não foram arranjadas no trabalho. Mas quem está em Lisboa, avalia apenas se a pessoa tem tendinite no ombro. Se o trabalho que faz exige esforços no ombro, parte-se do princípio que foi provocada pela profissão”.
Por outro lado, “actualmente as pessoas demoram quase dois anos a serem observadas, quando deviam sê- -lo passados poucos dias”. “Quando propomos a atribuição de doença profissional, a pessoa pode ficar de baixa por esse motivo e não ter a doença profissional. Se fosse chamada ao fim de 15 dias, esclarecia-se logo a situação”, acrescenta.