Aproximavam-se as eleições autárquicas de 1985. Álvaro Pinto Simões, formado em Direito, era então chefe de divisão no Ministério dos Transportes. Tinha acabado de comprar casa em Lisboa, os dois filhos já estavam na escola primária e podia aproveitar a vida cultural que a capital oferecia. É neste contexto que recebe o convite do PSD, que nunca tinha ganho a Câmara de Alvaiázere, para ser candidato.
O dilema era “difícil. De um lado, a vida “confortável” em Lisboa. Do outro, a hipótese de voltar ao convívio com muitos dos amigos de infância e de poder ajudar a desenvolver a terra que o viu nascer e de onde tinha saído menino e moço para estudar, primeiro em Coimbra, onde concluiu o liceu, depois em Lisboa, para fazer os estudos superiores. O apelo às raízes falou mais alto.
Regressa a Alvaiázere com a missão de 'roubar' a Câmara ao seu antigo professor Filipe Antunes de Sousa, que se recandidatava pelo PS. A campanha “não foi fácil”. Como tinha saído ainda muito jovem, poucos conheciam este filho da terra, nascido em Maçãs de D. Maria, onde a mãe era professora e o pai comerciante.
Nesta primeira de muitas campanhas, Pinto Simões acabaria por ter uma ajuda imprevista: 'Zeca Diabo', a personagem interpretada pelo actor brasileiro Lima Duarte na novela Roque Santeiro, que então passava nas televisões portuguesas. “Como tenho traços parecidos, quando colámos os primeiros cartazes, começaram a chamar-me 'Zeca Diabo'. A alcunha beneficiou-me porque a personagem passava constantemente na televisão”, recorda.
Venceu as eleições com quase 55% do votos. Seria a primeira e a mais magra das cinco vitórias que conquistou, chegando, por duas vezes, a ser o presidente da Câmara do País eleito com maior votação, ao alcançar quase 80%. Vitórias que consagraram a tradição laranja no concelho, que nunca mais deixou de votar maioritariamente PSD.
Qual o segredo? O histórico autarca, que recentemente tomou posse para o terceiro mandato como presidente da Assembleia Municipal, responde com prontidão: “a proximidade às pessoas e a obra feita, sem partidarismo e por amor à camisola”. Conta que, durante os 20 anos em que liderou a Câmara, teve “sempre” a porta do gabinete aberta.
“As pessoas entravam e expunham os seus problemas. Se me procuravam, tinha de os ouvir”, alega. Dedicava também um dia por semana ao contactos com a população.
Só à quarta se filiou por aposta com a JSD
[LER_MAIS] Além da proximidade às pessos, havia “obra feita”. Vivia-se a euforia dos fundos comunitários e o tempo da infraestruturação do País. Alvaiázere não fugia à regra. Foi durante os mandatos de Pinto Simões que se construíram grande parte dos equipamentos colectivos do concelho: tribunal, biblioteca, casa da cultura, estádio, pavilhões, mercados, piscinas, rede de água e de saneamento… “Cada obra que inaugurava era um filho meu que ficava em Alvaiázere”, diz, com indisfarçável orgulho.
E, entre tantos investimentos concretizados, qual o mais marcante? “Pergunta difícil”, responde, acabando por referir algumas que lhe encheram particularmente a alma, como o bairro social, que permitiu realojar 30 famílias que viviam “sem as condições mínimas”, e a reabertura do hospital – que hoje funciona com cuidados continuados, serviço de reabilitação e consultas da especialidade -, que era “um grande desejo da população”.
Desses tempos, sobram também muitas histórias, como daquela vez em que deu boleia a um munícipe. Durante a viagem, quando se apercebeu que ia à boleia do presidente, o morador aproveitou para pedir uma lâmpada para um poste na sua rua.
O pedido foi atendido e, passado uns tempos, o munícipe entrou pelo gabinete do presidente para agradecer. “Puxa de duas notas de cinco contos [25 euros] e coloca-as em cima da mesa dizendo que eram para mim. Disse-lhe que não podia aceitar, mas se ele quisesse fazer um donativo à Câmara… Que não, que era mesmo para mim. Perante a recusa, disse: 'Que burro que é' e saiu gabinete fora”, recorda Pinto Simões, que nos primeiros três mandatos foi eleito como independente.
Só à quarta candidatura se fez militante, para cumprir uma promessa feita aos jovens da JSD. “Havia-lhes dito que, se atingisse determinada votação, me filiava. Era também para os fazer trabalhar.” Apesar de ter sido desafiado para um sexto mandato, que ainda podia fazer por não haver, então, a lei da limitação, Pinto Simões deixou a autarquia em 2005, com a sensação de dever cumprido. “Tinha feito mais ou menos tudo o que tinha projectado para o concelho. Era hora de sair”, explica o social-democrata, que discorda da imposição de limite de mandatos. “O povo que decida”, defende.
Na rua ainda hoje há quem o trate o 'Dr. Varito', como é carinhosamente apelidado pelas gentes de Maçãs de Dona Maria, por 'Senhor presidente', mas Pinto Simões assegura que não sentiu qualquer falta do poder. Até porque, quando deixou a autarquia, não calçou as pantufas, mantendo uma intensa actividade ligada ao associativismo.
Com 73 anos, continua a ser presidente da Casa do Povo de Maçãs de Dona Maria, instituição que ajudou a fundar em 1989, e integra os órgãos sociais da Caixa Agrícola do Pinhal Interior, da Filarmónica de Santa Cecília e da Associação Social, Cultural, Recreativa e Desportiva de Maçãs de Dona Maria. Tem o seu nome perpetuado no lar daquela Casa do Povo e em duas ruas no concelho.