Esta semana, o festival Acaso em Leiria inclui cinema, com a projecção, inédita, de O Crime do Padre Mamado, de António Cova. E é muito provável que o Teatro Miguel Franco, com cerca de 200 lugares, esgote na estreia da mais recente produção da Fulo HD, agendada para amanhã, 22 de Outubro, às 21:30 horas.
O filme, com argumento e realização de António Cova e direcção de fotografia e edição de Lisa Teles, conta com o radialista, apresentador e humorista Fernando Alvim, autor do programa Prova Oral, na Antena 3, no papel de Dr. Gouveia.
Já o Padre Mamado é interpretado por João Branco, numa luta desenfreada e com vários perigos para ajudar a amada Amélia no negócio da venda de preservativos, numa época em que os preservativos, por algum motivo, escasseiam.
Inspirado no romance O Crime do Padre Amaro, que está na origem de uma série de televisão gravada este ano em Leiria, o enredo burlesco da Fulo HD mantém os nomes de algumas personagens e o encantamento do sacerdote por Amélia.
Há diálogos ou citações que se cruzam com a história original e funcionam como elo de ligação à obra de Eça de Queiroz, no que António Cova chama de “dúbia homenagem”.
Gravado desde Setembro, O Crime do Padre Mamado inclui, na banda sonora, temas de Fabrício Cordeiro, Rapaz Improvisado, Whales ou First Breath After Coma. E é, verdadeiramente, um esforço independente. “Não ter de dar provas a ninguém, nem ficar à espera de um aval, nem preencher formulários, nem perder tempo em burocracias, nem aceitar encomendas de serviços artísticos, custou-me caro e saiu-me do bolso. Desnecessário será dizer que tenho uma profissão fora de tudo isto”.
Numa cidade com registo de censura a concertos do Entremuralhas na Igreja da Misericórdia e polémica por causa de dança moderna no mesmo espaço já dessacralizado, que destino para o Padre Mamado? “Escolhemos o caminho da liberdade, acarretando com todas as consequências. O nosso objecto de intervenção não está nem nunca estará dependente da avaliação de terceiros. Não estamos dependentes de nada a não ser de nós próprios e do elo de camara dagem que nos une”, responde António Cova. “Nunca será fácil viver num país onde a liberdade artística estará sempre dependente dos apoios ou do aval político. No poder local esse problema é mais gritante, sobretudo quando os municípios tentam desenvolver um papel de curador cultural com uma noção desfasada e saloia do que a cultura deverá tratar”.
Francisca Passos Vella é Amélia num elenco com Pedro Marques (Libaninho), Luísa Santos (S. Joaneira), Carlos Rosa (Abade de Cortegaça), Nuno Gaivoto (Coadjutor Mendes) e o próprio António Cova (Cónego Dias), entre outros.
O actor e encenador Pedro Oliveira, d’O Nariz, aparece como taxista, Rui Pedro Bernardino é o Rapaz da Uber, Ricardo Carniça é Cristo e o fundador da editora Omnichord, Hugo Ferreira, participa em voz off.
Boa parte da equipa vem de produções anteriores da Fulo HD, nome que serve de chapéu a filmes de Anónio Cova como Promessa Cega, Anáisa – A Prótese, Paracertamorte, Visite Leiria, The Scriptor, Agente Infiltrado ou Nó e a eventos do mesmo criador como o festival Caganças, o concurso de bandas de gandulagem Leiria Falling, as actuações do artista sueco Tonie Metadonna, a apresentação da máquina fotográfica multi-funções Conam 3000, a exposição de isqueiros roubados, o Crime Musical do Padre Amaral, a performance A Morte do Artista, a Gala Jaquinzinhos de Ouro, a peça de teatro Pescador à Cana Gay ou o espectáculo de ilusionismo A Caca of Magic.
Projectos, no mínimo, desalinhados. Que, noutro tempo ou lugar, seriam considerados subversivos.
O Crime do Padre Mamado mantém “o desprendimento habitual” do colectivo menos domesticável de Leiria. E é, a julgar pela provável lotação esgotada, um êxito antecipado a somar ao rol da Fulo HD.
Eventualmente, até para surpresa de António Cova. “Às vezes, parece mesmo que existimos”.