Quando há quatro anos o PSD obteve a maior derrota, até então, nas autárquicas em Leiria, muitos terão pensado que pior seria impossível. Engano. Afinal, o desfecho das últimas eleições revelou que era possível baixar ainda mais.
É verdade que a candidatura à Câmara liderada por Fernando Costa obteve quase mil votos a mais do que havia conseguido Álvaro Madureira em 2013, mas tal não impediu que o partido perdesse um vereador (restam-lhe três em 11), reduzindo a votação final de 27,9 para 26,9%. Nas freguesias a razia foi quase total. O PSD perdeu mais duas, ficando a liderar apenas duas das 18.
Os resultados são vistos por muitos como o culminar de anos de polémicas que têm consumido o partido a nível local. Um histórico de guerras e de divisões internas que começaram ainda quando o PSD era, indiscutivelmente, poder em Leiria. Recuemos duas décadas. O partido prepara as autárquicas de 1997. João Poças Santos é anunciado como cabeça- de-lista à Câmara, mas bateu com a porta e retirou a candidatura.
José António Silva, que dois anos antes tinha ganho as eleições internas contra Isabel Damasceno, era o líder da concelhia e convida a sua antiga opositora para liderar a lista à Câmara. A social-democrata ganha as eleições mas ganha também um opositor: o próprio José António Silva. Os dois estiveram no centro de muitas das polémicas que, no passado recente, marcaram a vida do PSD de Leiria.
As desavenças, que surgiram logo no início de mandato, começaram a ser públicas no final dos primeiros quatro anos de governação de Isabel Damasceno, com a oposição de José António Silva ao projecto de remodelação do estádio.
Contudo, a concelhia do PSD aprovaria a recandidatura de Isabel Damasceno à Câmara e escolheu José António Silva para cabeça-de-lista à Assembleia Municipal. Ambos justificariam essa solução com o facto de haver um compromisso para dois mandatos. Nos quatro anos seguintes, as críticas do médico à gestão de Isabel Damasceno subiram de tom, a tal ponto de José António Silva ser considerado o principal elemento da oposição. Opôs-se, por exemplo, às obras do Polis e à construção de um túnel junto ao jardim e participou ao Tribunal de Contas suspeitas de irregularidades nas contas do município.
Os dois voltariam a enfrentar-se em eleições internas. Foi em 2004. A menos de um ano das autárquicas, ambos disputaram a distrital do PSD. Desta vez, Isabel Damasceno levou a melhor, com uma vitória que abriu caminho à sua recandidatura à Câmara em 2005. Quatro anos depois, a concelhia escolhe José António Silva para liderar a lista do partido nas autárquicas de 2009, mas a estrutura nacional do PSD rejeita o nome e, à revelia das estruturas locais, impõe Isabel Damasceno como cabeça-de-lista.
Os sociais-democratas perdem a Câmara para Raul Castro, com o PS a conseguir uma vitória que a facção afecta à ex-autarca considera que teve o empurrão de José António Silva e seus apoiantes. Isabel Damasceno acabaria por deixar o lugar de vereadora da oposição, para assumir o cargo de gestora do Mais Centro, programa de gestão de fundos comunitários. José António Silva, esse, manteve-se no activo e nas autárquicas de 2013 voltou a ser associado à polémica que, mais uma vez, envolveu a candidatura do PSD à Câmara de Leiria.
Gastão Neves é aprovado como cabeça- de-lista, mas desiste devido ao anúncio, à sua revelia, de José António Silva como número um à Assembleia Municipal. Álvaro Madureira substituiu Gastão Neves como candidato e aí … voltamos ao início do texto: o PSD sofre uma pesada derrota, que seria ainda pior este ano.
Novos protagonistas precisam-se
[LER_MAIS] “O PSD de Leiria chegou onde chegou por erros sucessivos de muitos e muitos anos. Não são coisas recentes. O PSD foi-se fechando e perdendo o capital de confiança angariado no pós-25 de Abril, quando o partido teve em Leiria personalidades como Tomás Oliveira Dias e Ferreira Júnior, que conseguiam atrair muitas pessoas ao projecto”.
A análise é de João Poças Santos, antigo deputado, que lamenta que o PSD local tenha “deixado de ser poroso em relação à sociedade civil” e se tenha fechado “num pequeno ciclo”, formado por “pessoas que sentem o PSD como uma espécie de coutada”.
Ex-líder da JSD que no mandato que agora termina foi deputado municipal, João Costa explica a actual situação do PSD de Leiria por “alguns dos principais dirigentes e responsáveis do partido terem abdicado de toda e qualquer ética político-partidária”. O social-democrata não tem dúvidas de que, se há quatro anos havia motivos para o líder da concelhia apresentar a demissão, agora , diz, “as razões são mais evidentes”.
“Continua sem assumir a responsabilidade e a perpetuar- se no poder”, acusa João Costa, que imputa também responsabilidades às estruturas nacionais do partido, nomeadamente por em 2009 terem “quebrado as regras” ao imporem a candidatura de Isabel Damasceno.
Luís Pinto, antigo presidente da Junta de Colmeias, entende que “é preciso arrepiar caminho, com pessoas diferentes” para que o PSD de Leiria “não bata ainda mais no fundo”. O ex-autarca considera que “o partido tem de se rejuvenescer” e dá até o exemplo que foi feito na Bidoeira, onde o PSD apresentou uma lista de “gente nova, sem passado político” e que ficou a dois votos da vitória. “Diziam que ninguém os conhecia. Mas agora já os ficaram a conhecer, deixando as sementes lançadas para daqui a quatro anos”, diz.
Para João Poças Santos, o PSD concelhio precisa de “mudar os protagonistas, alterar o relacionamento com a sociedade civil e preparar um projecto com tempo”. A essa receita, um militante acrescenta mais um ingrediente: “fazer uma limpeza total” nas estruturas locais do partido. Só que, reconhece, essa é tarefa “quase impossível”.
“Alguém que queira trabalhar, facilmente chega ao controlo da concelhia e, honra lhe seja feita, Álvaro Madureira tem trabalhado bem nesse sentido, como José António Silva o fez no passado”, acrescenta.
“O partido [PSD de Leiria] não está dividido. A concelhia tem trabalhado imenso ao longo do tempo. Tem ido às freguesias, às empresas, às colectividades, identificando os problemas das pessoas.
A narrativa de que o PSD de Leiria está dividido é uma ilusão que dá jeito a muita gente. Interessa a muitas pessoas fora de Leiria para depois conseguirem os lugares de deputado”, contrapõe Álvaro Madureira, que leva já dois mandatos como presidente da concelhia e que já anunciou a intenção de se recandidatar (ver texto ao lado).