E eis que de novo o meu amigo choupo veio até mim para pormos a conversa em dia. Como já vai sendo seu hábito, quis mostrar-me a importância de aceitar sem medos e angústias o passar do tempo e como argumento usou o não se deixar cair perante a fatal queda das suas folhas que o deixarão, ano após ano, completamente desprotegido e cada vez mais fraco, para enfrentar o tempo frio que nessas alturas sempre chega para o magoar.
Claro que eu lhe respondi que em mim o passar do tempo também me faz perder coisas minhas como se fossem folhas, mas enquanto as folhas dele, na próxima época, regressarão as minhas jamais nascerão e eu tê-las-ei perdido para sempre.
Mas não tens memória? Perguntou-me ele.
Com um leve movimento de cabeça disse-lhe que sim o que o levou, até com um tom algo irritado, a continuar: ora, ora, deixa de ser piegas, se tens o que vais perdendo, as tuas folhas como lhe chamas, guardadas na memória como as podes perder?
Entretanto, um vento forte impôs um fim à nossa conversa. Ele pôs-se a abanar deixando cair já muitas das suas preciosas folhas, mas voltando sempre à sua verticalidade, enquanto eu me recolhi em casa e tal como ele me lembrou, comigo vieram todas as minhas “folhas”!
Já sozinha e a refletir nestas “coisas” da memória (pus-me a pensar na enorme importância que a partilha das nossas memórias pode ter na construção das memórias dos outros e por isso na sua identidade) lembrei-me de um artigo de opinião, de Luís Castro Mendes no Diário de Notícias de que gostei muito e que, por isso, guardei.
Neste texto o autor, referindo-se à escolha das memórias que decidimos partilhar com os outros, diz: “Sabemos que não é assim tão racional, a chave das nossas escolhas. Mas sei que cada um escreve as suas memórias conforme aquilo que é e, sobretudo, aquilo que quer mostrar aos outros que é. Todas as memórias falam da persona, mais do que da pessoa.”
Confesso que desde então tal coisa não me sai do pensamento! Por exemplo, sobre a guerra que Israel anda a provocar no Médio Oriente como quero que os meus filhos e netos se lembrem de mim?
Como alguém crente que residirá nas negociações o caminho para a paz ou como alguém que preferiria ver Israel a ser considerado, por todas as democracias do mundo, um estado terrorista e assim começasse a ser tratado!
Ser persona ou ser pessoa, eis agora a minha questão e nem quero acreditar, tudo isto, imaginem, por causa de um choupo!
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990