Guilherme Mota estava motivado. Sentia-se em grande forma e o percurso para o contra-relógio da Volta ao Alentejo era altamente favorável para as suas características. Apesar de ainda não ter mais do que 19 anos, Gui desejava começar a mostrar serviço entre os profissionais.
Planeou tudo para arrasar, numa prova que tinha equipas estrangeiras de nível, como a Caja Rural ou a Burgos. No entanto, chegou a Covid-19 e tudo mudou. A prova alentejana, para a qual tanto tinha treinado, foi adiada sine die e o ciclista da Caranguejeira, Leiria, fechou-se em casa.
Está tudo cancelado. A Clássica da Arrábida, a Volta ao Alentejo, a Clássica Aldeias de Xisto e o Grande Prémio Beiras e Serra da Estrela. Até ao fim de Abril, as estradas estão cortadas para os ciclistas de topo.
Enquanto espera que o recolher mandatório não se prolongue, resta ao rapaz treinar. Com as voltas pelo exterior cada vez mais restritas por motivos de segurança, mas com a obrigatoriedade de cumprir o planeamento do treinador, a opção foi dar ênfase às novas tecnologias.
O desportista que representa a Oliveirense fechou-se em casa e rendeu-se às potencialidades do Zwift, um simulador virtual de ciclismo que lhe oferece todo um mundo de possibilidades.
Para profissionais, para amadores, para quem teme o trânsito ou não suporta a chuva. “Trata-se de uma plataforma virtual em que se treina como se fosse o jogo”, explica Guilherme Mota.
Para usá-la, precisa apenas de uma televisão, de computador ou smartphone com ligação à internet, de uma bicicleta e de uns rolos. Para calcular a velocidade do ciclista virtual, o Zwift utiliza peso e altura do ciclista, resistência do ar, inclinação do terreno e, acima de tudo, a potência gerada pelo atleta, que pode ser calculada por um sensor de velocidade, por um medidor de potência ou, de preferência, por rolos inteligentes, capazes de simular mudanças de terreno como subidas, descidas e até a trepidação do macadam.
Na verdade, há os fãs e aqueles que não apreciam esta ferramenta, mas a prova de que esta tecnologia revolucionária pode ter transfer para o mundo real é que, em 2016, Mathew Hayman venceu o mítico Paris-Roubaix após partir um braço e ter feito a preparação praticamente no mundo virtual.
Mas não é o único. Agora que o mundo está de quarentena, Andre Greipel, Rafal Majka, Thomas De Gendt, Tom Dumoulin, os irmãos Yates, por exemplo, utilizam o Zwift, onde amadores podem competir com profissionais e os resultados nem sempre são os mais óbvios.
“É como jogar futebol e futebol de praia. Os melhores numa disciplina não são obrigatoriamente os melhores na outra”, explica Guilherme, que já se cruzou nas estradas virtuais com Robert Gesink.
O jogo é considerado de tal forma que a NTT, equipa do World Tour, principal divisão do ciclismo mundial, todos os anos contrata um ciclista que se destacou neste mundo paralelo.
Há treinos e provas de diferentes dificuldades e quilometragem, sempre a acontecer, em ambientes reais. Também se podem fazer programas com os amigos ou colegas e até mandar umas bocas, qual rede social.
“É tudo muito exacto, muito verdadeiro. Nos Campeonatos do Mundo da Áustria, em 2018, treinei a parte do circuito no Zwift. As curvas e as paisagens eram iguais e só faltava o impacto visual do 3D.” Também existe uma réplica da mítica subida ao Alpe d’Huez, um dos momentos altos do Tour de France. “Já fizeram a comparação dos dados dos ciclistas e é a mesma coisa.”