Há duas décadas, os recém licenciados entravam no mercado de trabalho a ganhar, em média, mil euros. Hoje, os jovens com esse nível de formação iniciam a vida profissional com ordenados pouco acima do salário mínimo.
O economista Eduardo Louro aponta este exemplo para ilustrar uma tendência da economia portuguesa que se acentuou depois da crise: o “profundo ajustamento” dos salários.
Passada a intervenção da troika, a economia voltou a criar empregos, mas estes foram ocupados sobretudo por pessoas mais jovens, com ordenados mais baixos, e não pelos que ficaram desempregados, cujos salários eram, em média, mais elevados.
Depois da crise “ficou um ajustamento mental” que aceita ordenados mais baixos, explica Eduardo Louro, que contextualiza a questão na “dimensão macro da distribuição de rendimentos”, que considera “catastrófica”.
Exemplifica com os dados dos Relatórios e Contas de algumas das grandes empresas nacionais, que revelam que os gestores ganham actualmente 52 vezes mais do que os trabalhadores dessas empresas. Em 2014 essa diferença era de 33.
O economista de Alcobaça aponta ainda outro dado, que considera ser o que “mais pesa” para o que se está a passar com os salários.
“A economia tem comportamentos racionais. E a economia portuguesa não consegue conviver com uma moeda forte, como é o euro. Sem moeda para desvalorizar, desvaloriza os salários para mascarar a sua competitividade”. Ou seja, “os salários estão a pagar o euro”, considera o profissional.
Os últimos dados do Eurostat, divulgados na semana passada, dão conta que Portugal foi um dos quatro países onde no ano passado menos subiu o custo horário da mão-de-obra.
O aumento foi de 1,4%, de 14 para 14,2 euros, quando na zona euro o aumento foi de 2,7%. A média do custo horário da mão-de-obra nos países da moeda única foi de 30,6 euros.
As empresas portuguesas não podem, ou não querem, pagar mais? António Poças, presidente da Nerlei, afirma a sua convicção de que a maioria não paga mais porque não pode.
“Não nos podemos esquecer que nos últimos anos temos vivido tempos de expansão económica, mas os especialistas já começam a alertar para o aproximar de nova crise. As empresas acabam por viver num clima de incerteza que as torna mais prudentes quando se trata de contratações e investimentos”.
Por que é que os salários não sobem mais, se o desemprego continua a cair? “Só podem subir quando a produtividade das empresas e da economia cresce. Há sectores onde os salários subiram, porque são sectores onde os níveis de produtividade, por via da modernização, se elevaram. Mas temos outros sectores onde esse aumento não tem sido possível”, explica o dirigente.
De acordo com última edição do Barómetro das Crises, do Centro de Estudos Sociais (CES) de Lisboa, entre o segundo trimestre de 2013 e o mesmo período do ano passado a economia portuguesa recuperou 450 mil dos 700 mil empregos destruídos nos cinco anos anteriores.
“No entanto, os salários reais médios mantêm-se praticamente estagnados desde 2012”, situando-se, até, “abaixo dos patamares do início do milénio”.
O que explica esta situação? No período em análise, a estrutura do emprego, a distribuição por escalões etários e ramos de actividade económica “alterou-se substancialmente”.
E isso ajuda a perceber, “pelo menos em parte”, a estagnação dos salários, aponta o barómetro. “Os ramos que criaram mais emprego foram precisamente aqueles onde se pagaram salários abaixo da média nacional”. Já a destruição de emprego aconteceu em sectores onde se pagava acima da média.
Actividades de emprego (empresas de trabalho temporário e de selecção de pessoal), restauração, comércio a retalho e alojamento foram as áreas onde mais empregos foram criados nos últimos anos, segundo o estudo do CES, mas todos eles praticam remunerações “abaixo da média”.
Por outro lado, um ramo onde se verificou destruição de emprego – engenharia civil – tendia a praticar ordenados superiores à média da economia.
António Poças vê com “alguma apreensão” os dados do Eurostat e do Barómetro das Crises, por se perceber que “não conseguimos que os salários reais cresçam”. O que significa que, “apesar de termos melhorado, não melhorámos tanto quanto seria desejável”.
O presidente da Nerlei lembra ainda que os postos de trabalho criados após a crise “exigem competências distintas dos que foram destruídos e não houve capacidade de fazer a conversão necessária”.
Por outro lado, “os custos indirectos do trabalho, como os meios de transporte disponíveis no País, o tempo despendido no acesso à saúde e demais serviços públicos, deficientes serviços de apoio familiar (numa sociedade mais envelhecida em que população activa tem de cuidar dos seniores) leva a quebras de produtividade”.
[LER_MAIS] “Vivemos tempos de mudança acelerada das relações de trabalho, que exigem agilidade e as práticas laborais e a legislação estão a demorar a reagir ao novo enquadramento”, frisa. “As gerações mais novas têm objectivos diferentes das anteriores e gerem a mobilidade e a conciliação da vida profissional e pessoal com valores diferentes. A globalização leva a que a competitividade do preço final seja feita com custos de contexto muito diferentes”.
Por isso, “em última análise, todos estes factores levam a que a armadilha dos salários baixos resulte de as empresas portuguesas exercerem a sua actividade num contexto de elevados custos de contexto e em que os clientes não estão dispostos a pagar”, explana o presidente da associação empresarial da região de Leiria.
Escassez de profissionais pressiona ordenados
Em algumas áreas, a escassez de profissionais disponíveis e a elevada procura do mercado estão a pressionar os ordenados em alta. É o caso das engenharias, actividade em que “a tendência é que os salários continuem a aumentar mais do que a média nacional e a inflação prevista para as outras áreas”, aponta Carlos Andrade, senior executive manager da Michael Page, em declarações ao Jornal Económico.
A edição de 2019 do estudo anual de tendências salariais desta empresa de recrutamento e selecção revela também diferenças salariais entre engenheiros consoante as áreas em que trabalhem. Um engenheiro de produto, com conhecimentos em CAD, por exemplo, está a auferir este ano, em média, mais três mil euros anuais do que em 2018.
Outra das áreas em que a falta de profissionais está a pressionar os salários é a das tecnologias. Segundo a Landing.jobs, citada pelo Eco Online, as funções de de iOS developer, android developer e devOps engineer são as mais bem remuneradas, com salários anuais na ordem dos 60 mil euros.