Meu Caro Zé,
Parece que vai haver uma eleição para o Parlamento Europeu, sob a equívoca designação de “eleições europeias”. É que as eleições são para o Parlamento da União Europeia e não para o Parlamento da “Europa”, já que a União Europeia não se confunde integralmente com a Europa pois, além de ter sido amputada pelo Brexit, não incorpora países que, na definição tradicional da Europa, a não integram, para além da interminável indefinição sobre o seu limite a leste, cuja situação na Ucrânia (e na Geórgia e na Moldova?) bem ilustra.
Mas será a União Europeia, em si mesma, uma União, uma construção acabada ou ameaçada? Perante esta questão não consigo fugir a uma citação do búlgaro Gueorgui Gospodinov, no livro “Refúgio no tempo”, vencedor do International Booker Prize 2023: “Todos os países felizes são parecidos uns com os outros, cada país é infeliz à sua maneira, como já foi escrito. Na família da Europa reinava a confusão… E, efetivamente, tudo na casa do continente ficou virado de pernas para o ar e cada um dos membros do que até há pouco tempo se chamava “família europeia” era infeliz à sua maneira, local e única… Tudo era único. Sobretudo a infelicidade. Nenhuma nação queria renunciar à sua infelicidade. Era uma matéria-prima, um material que dava para tudo, uma desculpa, um alibi, um fundamento para qualquer pretensão…”
O não poder fugir a esta citação resultou do modo como, nesta época pré-eleitoral, alguns indigitados candidatos ao Parlamento Europeu, em Portugal, aproveitam o contacto com as populações e os meios de comunicação para não falarem da “Europa”, mas antes das infelizes (a tal infelicidade) “tricas” nacionais.
Aliás, na generalidade, as escolhas dos candidatos têm mais a ver com os interesses partidários nacionais, para já não falar nos pessoais, do que com a preocupação pela contínua e urgente “reconstrução” da “família europeia”.
A fragmentação interna da União Europeia é uma ameaça crescente e o que estou a ver em Portugal não vai contribuir em nada para evitar a fragmentação e consequentes inoperância e irrelevância da União Europeia, quando mais necessário e urgente era apresentar a este caos do Mundo os seus valores fundadores.
Será que o mês que nos separa da eleição poderá ainda responder ao desafio? E os candidatos têm capacidade para isso? Europa dos Cidadãos, onde?
Até sempre,
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990