O CHO aumentou a sua actividade assistencial em 2021. A que se devem estes resultados?
Devem-se acima de tudo ao empenho de todos os nossos profissionais, que têm sido inexcedíveis. O CHO tem um contexto muito difícil. Estamos a falar de três unidades hospitalares com uma distância média entre elas de 40 a 45 quilómetros, o que nos cria grandes dificuldades de optimização e de gestão de recursos. Temos muitos serviços em duplicado, servimos uma área de influência de cerca de 300 mil pessoas, com tendência a aumentar. Temos duas urgências médico-cirúrgicas, dois blocos operatórios e duas urgências pediátricas a funcionar, cada um em Caldas e em Torres Vedras. Temos uma urgência obstétrica, que está centralizada nas Caldas da Rainha. É muito difícil, com a falta de profissionais especializados, conseguir satisfazer todas estas necessidades sem falhas. Por dia, na urgência de Torres Vedras precisamos de três especialistas e de cinco não especialistas (clínicos gerais). Na urgência das Caldas precisamos de 14 especialistas, porque temos a urgência obstétrica, mais cinco clínicos gerais e na urgência básica de Peniche precisamos de dois clínicos gerais. Ou seja, só para dar resposta às três urgências precisamos de 17 especialistas e 12 clínicos gerais.
E têm-nos?
Fazemos um esforço constante para tentar assegurar que as respostas estão criadas. É um desafio permanente conseguir preencher todas estas escalas, quando há uma grande competição com os hospitais de Lisboa, que no passado não havia, porque tinham recursos em maior número.
Há mesmo falta de médicos ou estão mal distribuídos?
Os números dizem que não. Estão mal distribuídos? Estarão. O crescimento do privado retirou-nos muitos profissionais. Houve uma estratégia de criar verdadeiros hospitais com contratos de trabalho a tempo inteiro, que diminuiu a disponibilidade das pessoas para trabalhar no público. No público ainda há a exigência de fazer serviço na urgência. É algo que afasta muito os médicos do SNS, porque no privado não há essa obrigatoriedade legal. Muitas vezes, quando a instituição exige é um suplemento em termos de remuneração. As urgências são duras e os médicos fogem muito dessa realidade. Há outra realidade que tem de ser discutida em breve, que é a distribuição das tarefas que estão atribuídas a cada grupo profissional. Está mais do que provado – e noutros países isso acontece – se houver uma distribuição de competências com outros grupos de profissionais, nomeadamente com os enfermeiros, conseguimos rentabilizar melhor o trabalho médico. Essa distribuição é imperiosa acontecer. Assim, com o mesmo número de profissionais, damos uma resposta mais adequada.
A população usa mal as urgências, faltam respostas nos cuidados de saúde primários ou seria necessário um horário mais alargado?
É uma junção de todos esses fenómenos. Temos uma taxa de doentes não urgentes que ronda os 40%. É um número muito elevado de pessoas que vai à urgência e que não precisava. Não havendo respostas adequadas nem horários alargados nos centros de saúde, as pessoas acabam por tentar encontrar alternativas. Há também algum desconhecimento. Hoje há inúmeros mecanismos que permitem utilizar melhor o sistema. Um deles é a linha Saúde 24, que é uma mais-valia enorme. É preciso informar melhor a população e discipliná-la, no sentido de utilizar cada vez mais estes recursos antes de ir à urgência, que não é um local para fazer diagnóstico nem para uma consulta. A urgência serve para atender doentes que têm um episódio agudo e devolvê- los ao centro de saúde ou encaminhá- los para uma consulta hospitalar. É preciso aumentar a literacia das pessoas, mas também as respostas e as alternativas. Um dos problemas actuais é que os centros de saúde, mesmo quando estão abertos e em horário alargado, não têm meios complementares de diagnóstico que lhes permitam resolver a situação. Em 2019, o CHO estabeleceu um protocolo com os centros de saúde da sua área de influência. No fundo, o doente vai ao centro saúde, precisa de fazer análises básicas e um raio x e o médico de família encaminha-o para o hospital. O doente faz esses exames e o médico até poderá consultá-los digitalmente. Esse protocolo foi descontinuado com a pandemia, mas estamos a tentar reactivá-lo.
Houve um alívio nas urgências com esse método?
Não foi relevante, até pelas mais variadas circunstâncias. Se as pessoas vierem à meia-noite, não há hipótese de irem ao centro de saúde, mas é um caminho que se vai fazendo.
Os Serviços de Atendimento Permanente (SAP) deveriam voltar?
Acho que sim. Faz todo o sentido que essas respostas sejam asseguradas pelos cuidados primários e não pelos hospitais, como acontece muitas vezes. Temos uma urgência básica, que funciona como um SAP, em Peniche. Até poderia ser uma resposta do hospital, mas deveria ter médicos do centro de saúde.
O CHO não possui cuidados intensivos. Como fizeram na pandemia?
Com a nossa dimensão, acho que somos o único centro hospitalar que não tem unidade de cuidados intensivos (UCI). Nessa fase, houve exigências a nível de respostas de UCI e isso implicava transferir muitos doentes. Ficou evidente que faz todo o sentido ter uma UCI para esta camada enorme de população. Em 2021, o secretário de Estado, dr. [António] Sales, anunciou que o CHO ia ter uma UCI. Temos o projecto de execução feito e, obtidas as autorizações, vamos lançar os procedimentos contratuais e fazer a obra.
Será para instalar neste CHO ou no novo?
A UCI tem de existir já. Já devia existir há muitos anos. Não faz sentido protelá-la para o novo hospital. Sem a UCI temos inúmeras dificuldades em dar apoio aos doentes críticos na urgência e na emergência, sendo transferidos de imediato, na maior parte das vezes, para os hospitais de Lisboa. Quando vão das Caldas têm 80 quilómetros pela frente. Essa unidade também permitirá internalizar uma série de cirurgias mais complexas. Neste momento, temos recursos de cirurgia e de anestesia para as fazer, mas não tendo a retaguarda da UCI, as pessoas não podem ser operadas neste hospital. Além disso, a UCI vai permitir captar e reter mais recursos.
Muito se tem falado da localização do novo hospital. Há um estudo que aponta para o Bombarral. Qual será a melhor localização para servir os utentes?
É o tema menor perante a necessidade quase emergente de ter um novo hospital. Sendo um hospital único, permitir-nos-ia concentrar e rentabilizar recursos, geri-los de outra forma e dar até uma resposta mais adequada às pessoas. A localização terá de ser uma decisão política, mas faz sentido que seja o mais central possível, com acesso adequado às redes viárias. Mais do que a localização, o importante é levar este projecto para a frente, porque é uma necessidade para as populações e para os profissionais que muitas vezes trabalham em condições pouco dignas para aquilo que lhes é exigido. Permitirá concentrar os custos, ter instalações adequadas e ter um número de camas de internamento adequados.
Não o têm neste momento?
O nosso rácio é de 1,1 camas por cada 1000 habitantes, quando no País ronda os 2. Ou seja, temos muitas limitações em termos de internamento dos doentes, o que significa que muitas vezes eles acabam por ficar no serviço de urgência a aguardar uma vaga de internamento, em condições que não são as melhores.
O CHO iniciou a hospitalização domiciliária em 2019. A medida deve ser alargada a mais utentes?
Esse é um projecto de sucesso. Para darmos resposta a todos tivemos que ter uma equipa em Caldas da Rainha e outra em Torres Vedras para cinco camas cada. Os níveis de satisfação dos doentes são muito bons. Esta é uma forma de rentabilizar melhor as poucas camas que temos. Tem sido um projecto muito aliciante que queremos expandir. A expansão depende da disponibilidade de recursos. Mas é o caminho do futuro. Há hospitais em Espanha que quase só têm camas em hospitalização domiciliária.
Após a pandemia, a saúde mental passou a estar na agenda. Foi a Covid que aumentou os problemas ou a população está mais desperta?
A Covid realmente agravou os problemas, não só no doente mental grave, mas também em todos os outros e criou necessidades acrescidas. Essa foi uma área órfã durante muitos anos e está a ter um impulso muito positivo. No início de 2000 não havia resposta de psiquiatria no CHO. Estabelecemos um protocolo com o Hospital de Santa Maria, cujos médicos se deslocavam ao CHO para fazer consultas. Alguns foram ficando e o serviço foi crescendo. Neste momento, no ambulatório temos um serviço autónomo perfeitamente consolidado, que possui nove psiquiatras.
Dá resposta às solicitações?
A lista de espera é grande, mas consegue-se dar resposta ao nível do ambulatório. Ao nível do internamento, financiado pelo PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], vamos abrir 15 camas. Até à data, o internamento concentrava-se no Hospital de Santa Maria ou no Psiquiátrico. Temos também um projecto de expansão para a criação de mais dez camas de internamento. Com a criação do internamento vai começar a funcionar a urgência de Psiquiatria.
Qual é a especialidade com menos recursos?
Com carências graves de recursos, a medicina interna é um dos serviços mais críticos. Continua a dar uma resposta adequada, mas com muitas dificuldades de recursos para manter um normal funcionamento de urgência, internamento, consultas e hospitais de dia. Temos outra que é a obstetrícia, que foi perdendo recursos e que também dá uma resposta muito boa. Fazemos mais de 1200 partos por ano. Tentamos colmatar todas estas carências com prestadores de serviço. Não é o adequado, mas é a solução. Os prestadores de serviço não são uma opção, são uma inevitabilidade para manter as urgências abertas. Caso contrário teríamos de encerrar.