Não é segredo que a água é extremamente importante para a vida no planeta e que 60 a 70% do peso de um ser humano é constituído por este líquido.
Não é, por isso, de estranhar que um dos principais conselhos médicos para uma vida saudável seja uma boa hidratação e o consumo de litro e meio de água por dia.
No domingo, Leiria acolheu a quarta edição do Roteiro da Água, que consistiu na visita a várias da cidade, iniciativa realizada no âmbito do programa Domingar nos Museus, dinamizado pelo Museu de Leiria e pelos serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Leiria (SMAS).
A protecção deste recurso deveria ser do mais elementar bom-senso, especialmente quando Portugal atravessa o seu segundo ano consecutivo de seca e os cientistas alertam para a inevitabilidade da instalação no nosso território de um clima seco, igual ao do norte de África, contudo, não é isso que acontece.
As mensagens deixadas pelo SMAS, que zela pela boa qualidade da água que consumimos são motivo de alerta.
Todas – sim, todas – as fontes de Leiria e do concelho não têm qualidade para consumo.
Aliás, beber água da fonte, que não seja canalizada pelos SMAS, é um perigoso jogo de roleta com a saúde.
Durante a visita a cinco das mais emblemáticas, ricamente decoradas e antigas fontes da cidade, ficaram visíveis as razões pelas quais ela não é potável ou sequer corre nas bicas.
Os lençóis freáticos foram destruídos pelos edifícios e garagens subterrâneas.
De qualquer modo, mesmo onde ainda jorra água, há contaminação por condutas de esgotos partidas, fossas sépticas e mesmo por depósitos de metais e matérias tóxicas.
O cenário repete-se em todo o concelho.
O roteiro assenta num trabalho de sistematização iniciado em 2017 pelo arqueólogo dos SMAS de Leiria, Telmo Gomes, depois de um desafio lançado pelo Museu de Leiria.
Até aí, apenas a investigadora Alda Sales Gonçalves se tinha dedicado ao estudo e publicado acerca daquela que foi uma das razões para a instalação da população que haveria de criar e fundar Leiria: o grande número de nascentes.
O rio Lis, esgoto favorito de muitas comunidades instaladas nas suas margens, há muito que deixou de ser indicado para o consumo humano, e as várias nascentes, bicas e fontes de Leiria, passaram a garantir água segura e filtrada desde o século XIII.
Várias das fontes actuais existem desde há oito séculos e deixaram de ser desaconselhadas no século XIX.
Os avanços na compreensão médica dos microorganismos e a acção de metais nocivos no corpo humano levaram os médicos da cidade a concluir que, infelizmente, já não era seguro ir à fonte.
“Em meados do século XIX, começaram a aparecer doenças ligadas ao consumo de água e, na década de 50, do século XX, houve uma proibição de se ir às fontes, por razões de saúde pública. Em 1933, foram criados os SMAS”, recordou a directora do Museu de Leiria.
Vânia Carvalho explicou ainda que a autarquia, através do museu e dos SMAS, tem conseguido salvar algumas destas fontes.
Para matar a sede aos habitantes do concelho, até hoje, o SMAS instalou 1800 quilómetros de condutas, trabalhos, bastas vezes, realizados sob a supervisão de Telmo Gomes.
Coube a este arqueólogo conduzir a visita à fonte do Freire, à fonte das Três Bicas – onde sempre a mesma água circula em circuito fechado, desde que os edifício da rua José Jardim terão cortado o veio de água -, à fonte Quente, também conhecida por “caldas de Leiria”, com propriedades medicinais para doenças da pele e cujas águas quentes foram destruídas pela construção de edifícios nas proximidades.
Os participantes foram ainda à fonte de Santa Catarina, junto à antiga cerca do convento de São Francisco, também de águas quentes indicadas para problemas gástricos, que é uma das mais antigas de Leiria, datando de 1253.
Existia ao lado da ermida com o mesmo nome, da qual apenas se mantém uma parede, junto ao estacionamento.
O percurso terminou na fonte Cabeço d’El Rei, outrora uma das melhores da cidade, junto à “rotunda do moldes”.
Em Leiria, Telmo Gomes estudou 16 fontes, das quais perduram apenas nove.
Fontes, aquedutos, fornos de cal e moinhos
É um trabalho lento, aquele que os arqueólogos da câmara e dos SMAS de Leiria estão a realizar, para devolver património mais esquecido e que tem sido destruído com intenção ou por incúria e onde se inserem aquedutos, fornos de cal ou moinhos. Recentemente, na encosta do castelo foi escavada a fonte do Pocinho que Vânia Carvalho descreve como “monumental e inesperada”, após décadas enterrada e escondida no meio de silvas.
“Esperamos que possa ser intervencionada com tempo e restaurada. Mas não voltará a dar água potável”, refere.
Só na zona histórica baixa da cidade, foram já identificados 40 poços, sinal da abundância de água em Leiria. Alguns teriam água a apenas 1,5 metros de profundidade, enquanto outros a quatro metros. O Museu de Leiria pretende identificar mais fontes e pontos de água e pede a colaboração da população, que poderá enviar informações para o email museudeleiria@ cm-leiria.pt.
Quem estiver interessado em fazer o roteiro pode clicar aqui e ter acesso a ele.