Os últimos anos têm sido fatais para muitas livrarias independentes. A TSF anunciou recentemente que, até ao final de Março, há três baixas de peso para os leitores portugueses, com o encerramento da Pó dos Livros, em Lisboa, a Leitura, no Porto e a livraria Miguel de Carvalho, em Coimbra.
No início deste ano, encerrava em Lisboa mais uma loja histórica, a Livraria Aillaud & Lellos, que funcionava na rua do Carmo desde 1931. E em Janeiro, também, a Bulhosa Livreiros era declarada insolvente pelo Tribunal Judicial de Braga.
Na semana passada, foi a vez da Trindade, em Lisboa. Os responsáveis pela livraria informavam que o contrato de arrendamento terminou e que têm até Setembro para abandonar o número 36 da rua do Alecrim, onde o negócio já vai na terceira geração.
O JORNAL DE LEIRIA apurou junto do Instituto Nacional de Estatística a dimensão da perda. De acordo com os dados disponíveis, entre 2008 e 2016 o País perdeu 100 empresas de comércio a retalho de livros em estabelecimentos especializados. Em 2008 existiam 732 empresas do género em funcionamento, número que desceu para 632 em 2008. Embora nunca tenham deixado de inaugurar livrarias ao longo destes anos, o número de encerramentos destas lojas foi sempre superior ao das aberturas.
No último ano de que há registos, 2016, o INE contabilizou 47 nascimentos, para 67 mortes de empresas especializadas em comércio a retalho de livros.
Rendas altas e grande concorrência
“Chegou a hora da livraria Pó dos Livros 'celebrar o dia da liquidação total'. No dia 31 de Março de 2018, mais esta livraria passará a ser uma mera recordação, um pedaço de pó na memória de poucos”, anuncia Jaime Bulhosa no blogue da livraria.
E à Lusa, o sócio-gerente adianta os principais motivos do fim da sua loja. Por um lado, há “rendas altíssimas” que não permitem ao negócio dos livros sobreviver. Por outro, “é impossível concorrer com as grandes cadeias, com os descontos que elas fazem, e com as margens que nós temos”. Além disso, realça Jaime Bulhosa, a situação é ainda "mais complicada do que parece", devido à concorrência da internet: os livros técnicos, os que não são de ficção e que não são para ser lidos por inteiro, deixaram de ser vendidos, porque estão na internet.
Desde a fundação, em 2007, a livraria gerida por Jaime Bulhosa e Isabel Nogueira foi distinguida como Melhor Livraria Independente, pela Revista Lere a Booktailors, recebeu o prémio de Melhor Blogue de Livraria ou Editora da Blibie, e foi eleita a segunda Livraria Preferida de Lisboa, na votação promovida pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, com as Bibliotecas Municipais de Lisboa, em 2013. Clássicos, mas também livros raros e usados têm feito parte da oferta deste estabelecimento, que pretende recriar um ambiente próximo das tradicionais livrarias londrinas.
Ouvido pelo JORNAL DE LEIRIA, Joaquim Gonçalves, que tem encabeçado vários movimentos a favor das livrarias independentes (entre os quais Livros, é nas livrarias), partilha os argumentos de Jaime Bulhosa. Joaquim Gonçalves explica que “as grandes cidades estão a sofrer um ataque cerrado do turismo”, cuja factura tem sido o “aumento das rendas e a especulação” no mercado imobiliário.
[LER_MAIS] Muitas das pequenas livrarias, que se encontram instaladas em zonas históricas, não têm capacidade de pagar a renda nem têm condições para investir noutra localização. “O mundo das livrarias é uma completa selva com beneplácito dos Governos, ao longo de várias legislaturas”, critica Joaquim Gonçalves, lamentando que as grandes superfícies tenham suporte legal para fazer, por exemplo, “descontos de 20% em novidades a cada início do mês ou no Natal”.
Em Bruxelas, compara Joaquim Gonçalves, “os preços dos livros são fixos e entende-se que não há razão para escolas, bibliotecas e outras entidades oficiais regatearem descontos com livreiros, uma vez que são instituições subsidiadas pelo Estado”.
“Em Portugal, regateia-se com livrarias que já estão na corda bamba” e os grandes grupos editoriais, que detêm toda a linha de produção e de comercialização, oferecem descontos superiores aos que as livrarias independentes são capazes de fazer, lamenta Joaquim Gonçalves.
Mas as editoras que se rendem à grande distribuição “dão tiros nos pés”, defende o livreiro. Primeiro, porque só editam livros capazes de serem vendidos nas grandes cadeias, sem atender ao facto de muitas obras lhes serem devolvidas. Depois, “enganam” os consumidores, porque inflacionam os preços para poderem dar percentagens altas à distribuição. E “enquanto este estilo de negócio for alimentado, nunca mais os livros ficam mais baratos”.
Também a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros disse ao JORNAL DE LEIRIA que está “preocupada” com o fecho de livrarias independentes, mas identificou razões diferentes. Para a associação, a sua “sobrevivência está ameaçada pela forma como a política de gratuitidade dos manuais escolares está a ser implementada”.
“O sistema que está a ser implementado, além de não constituir uma gratuitidade efectiva e plena, uma vez que os livros são na prática emprestados aos alunos e a sua utilização é limitada, está a transformar as escolas em centros de compra de manuais escolares, subvertendo as regras de livre e sã concorrência com prejuízo das livrarias independentes”, considerou a APEL.
Por isso, a associação entende ser “muito importante que as preocupações e as propostas dos livreiros independentes sejam devidamente consideradas pelo Ministério da Educação, em concreto, a de orientar as escolas no sentido de se privilegiar a entrega de credenciais/vouchers aos encarregados de educação, para que estes possam escolher livremente qual a livraria em que desejam obter os manuais escolares”.
Há resistência em Leiria
Alexandra Vieira, gerente da Livraria Arquivo, refere que é com muita pena que vê livrarias de grande qualidade encerrarem, algumas delas com uma história antiga e com grandes livreiros à sua frente. “Perdem-se, assim, espaços dinamizadores da leitura e da cultura em geral, onde havia lugar para o que era mais comercial, mas também para obras menos conhecidas, mas não menos importantes”, refere a livreira.
Alexandra Vieira refere ainda que o negócio online veio agudizar as dificuldades com que, tradicionalmente, este negócio sempre viveu, alertando que não é possível ter-se o melhor de dois mundos: comprar-se os livros pela internet e ter as livrarias abertas e a desempenharem o seu papel cultural.
“Era bom que o Governo fizesse tudo o que está ao seu alcance para estancar este fechar de portas das livrarias, havendo muitas medidas possíveis para ajudar a minorar o problema. Se nada for feito, continuarão a encerrar e o Pais a ficar mais pobre”, considera.
Por seu lado, Joaquim Lopes, o rosto da Letras & Livros, a livraria de Leiria que completa este ano duas décadas de actividade, refere que, “somos uma espécie em vias de extinção”. Reconhece que nunca como nos últimos anos se agudizaram tanto as dificuldades. “O mercado livreiro está concentrado em grandes editoras e há também a concorrência da grande distribuição. E nós não temos condições para oferecer o mesmo ao público”, observa Joaquim Lopes.
“As grandes editoras privilegiam os grupos que lhes dão mais vantagens. Têm poder negocial que nós não temos”, resume o comerciante.
O que vai mantendo o negócio desta livraria independente é a aposta que tem feito nos nichos de mercado, nos livros que são mais difíceis de encontrar. “Não damos nenhuma encomenda como perdida”, explica o comerciante, lembrando que o seu esforço passa ainda por tentar estar presente em muitas feiras de livros em escolas e em bibliotecas. “Os últimos quatro ou cinco anos têm sido os mais duros, mas nós somos eternos optimistas”, confidencia o livreiro.