Mais de 10 anos depois da extinção da Leirisport, volta a existir uma empresa municipal em Leiria. O arranque está previsto para o próximo mês de Janeiro e a Teatro José Lúcio da Silva, E.M., S.A. vai gerir três teatros municipais (Teatro José Lúcio da Silva, Teatro Miguel Franco e Cineteatro de Monte Real) e também a plataforma de criação artística e sala de espectáculos Black Box, inaugurada em Maio nos pisos inferiores do antigo paço episcopal. No entanto, detém poderes mais amplos, que abrangem a promoção e desenvolvimento da cultura e de actividades de animação, incluindo acções de rua e outras nos espaços sob gestão da autarquia. A vereadora Anabela Graça preside o conselho de administração e José Pires é o vice-presidente.
À semelhança do que já acontecia através do Teatro José Lúcio da Silva, a empresa municipal vai cobrar ingressos e conta com outras receitas de exploração. “Para os diversos efeitos de tomada de decisão, possibilita uma maior desburocratização, considerando que o centro de decisão se afigura mais ágil, com manifestos impactos na eficiência e eficácia”, diz Anabela Graça ao JORNAL DE LEIRIA.
Cumprir a lei
Desde a fundação em 1967 que o Teatro José Lúcio da Silva era gerido por uma comissão de gestão designada pela Câmara Municipal de Leiria. Uma figura atípica (equiparada a pessoa colectiva do ponto de vista jurídico) que não existe na organização da administração autárquica local, em que a lei só prevê serviços municipais, serviços municipalizados, associações e empresas. É o imperativo de reestruturação jurídica do Teatro José Lúcio da Silva – alvo de pareceres do Tribunal de Contas e da Inspecção Geral de Finanças, no passado – que está na origem da constituição da empresa municipal, participada em exclusivo pelo município, o único accionista da nova sociedade anónima, que é dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Os planos de actividades e orçamento continuarão a ser enviados ao município, com quem se mantém um contrato-programa. De acordo com a vereadora, “os valores totais de despesas e proveitos”, no primeiro ano, “não irão ser muito diferentes dos que se observam actualmente”.
O edifício doado ao município por José Lúcio da Silva e Maria da Graça Ferreira Lúcio da Silva, em 5 de Dezembro de 1966, onde funciona o Teatro José Lúcio da Silva, é transferido para a empresa municipal, que recebe os trabalhadores do Teatro José Lúcio da Silva com a totalidade dos direitos adquiridos. Segundo Anabela Graça, a empresa municipal permite, por outro lado, “uma maior adequação das remunerações dos trabalhadores àquelas que são praticadas pelo mercado” e “dos trabalhadores aos horários das iniciativas” em linha com “a Contratação Colectiva de Trabalho para o sector”.
Relação com os artistas
Depois de analisadas as alternativas, a opção por uma empresa municipal, que implica a extinção da entidade Teatro José Lúcio da Silva anteriormente existente, baseia- se num estudo de viabilidade económico-financeira realizado por uma consultora e assenta no capital social de 2.463.950 euros. O jurista José Alves lidera a mesa da assembleia geral e tem como secretárias duas funcionárias do Teatro José Lúcio da Silva.
Constituída por escritura datada de 11 de Julho de 2024, a Teatro José Lúcio da Silva, E.M., S.A., é composta por um conselho de administração, uma assembleia geral e pelo fiscal único.
O modelo que vai funcionar em Leiria a partir de Janeiro é idêntico ao que o Município de Guimarães adoptou através da empresa municipal A Oficina, que gere e programa o Centro Internacional das Artes José de Guimarães, o Centro Cultural Vila Flor, o Centro de Criação de Candoso e a Black Box na Fábrica ASA, entre outros espaços. Já em Coimbra, por exemplo, o Convento de São Francisco ficou na esfera da câmara, mas outros equipamentos municipais estão entregues a estruturas artísticas. É o caso do Salão Brazil (gerido e programado pelo Jazz ao Centro Clube), da Casa do Cinema de Coimbra (Caminhos do Cinema Português), do Teatro da Cerca (que abriga a Escola da Noite) e da Oficina Municipal do Teatro (O Teatrão).
“Defendemos que a utilização do espaço público deve ser gerida pelo gestor público, o que não inviabiliza que, em determinado período, as estruturas de criação apresentem e desenvolvam os seus projectos de residência, por períodos mais ou menos longos”, comenta Anabela Graça, que refere a Black Box (aberta a residências até seis meses) e os teatros José Lúcio da Silva e Miguel Franco, onde a Companhia de Ballet Clássico de Leiria ensaia regularmente para preparar espectáculos que apresenta ao longo do ano no palco do Teatro José Lúcio da Silva.
Perante o novo cenário que 2025 traz ao sector em Leiria, o director do Leirena, uma companhia profissional de teatro, reconhece preocupação com o papel das estruturas artísticas junto da empresa municipal a médio e longo prazo. “O que será desenvolvido? Projectos de co-criação? Projectos de co-produção?”, questiona. “Enquadra-se ou não que uma estrutura artística possa estar a residir durante um ano ou dois anos num determinado equipamento?”
Desde a fundação, há mais de uma década, o Leirena tem andado com a casa às costas, primeiro na biblioteca municipal, depois no Mercado de Sant’Ana e nas galerias Alcrima, e agora num edifício da União de Freguesias de Marrazes e Barosa. Frédéric da Cruz Pires lembra que a profissionalização da cultura e a fixação de artistas no concelho dependem de condições financeiras e logísticas. E sugere que o município possa apostar em parcerias com programadores, directores artísticos e equipas de criadores, o que, de resto, já tem acontecido, em diversos equipamentos e projectos. “Todos os modelos devem ser analisados e todos os modelos devem ser experimentados”.
A pensar no público
No m|i|mo – museu da imagem em movimento, a associação Leiria Film Fest esteve durante dois anos “a fazer a programação de cinema”, o que envolveu actividades do Leiria Film Fest, o Mimo Video Art, dois ciclos de cinema, extensões de festivais e a primeira edição da Bienal de Cinema de Leiria. Com base nesta experiência, Cátia Biscaia, co-fundadora do Leiria Film Fest, considera “muito interessante” a possibilidade de entregar temporariamente espaços municipais a associações ou estruturas artísticas. E argumenta: programadores e criadores “têm”, tipicamente, “mais contactos e mais conhecimento”.
Certo, para já, é que no próximo ano uma nova empresa municipal vai estar a funcionar na área da cultura em Leiria. E, segundo Anabela Graça, com vantagens para os munícipes. “O público é o maior activo do Teatro e foi a pensar nas pessoas que se optou por uma empresarialização”.
Teatro José Lúcio da Silva: rendimentos e assistência a crescer
O exercício de 2023 no Teatro José Lúcio da Silva produziu um resultado líquido positivo de 5.168,04 euros (inferior a 2022) que reflecte um aumento dos rendimentos, mas, também, dos gastos.
A actividade das três salas de espectáculos (Teatro José Lúcio da Silva, Teatro Miguel Franco e, muito raramente, Cineteatro de Monte Real) e dos eventos fora de portas gerou 2.188.572,56 euros, em que a principal fatia (55,81%) são vendas e prestação de serviços, o que abrange a bilheteira (582.886,43 euros no Teatro José Lúcio da Silva e 57.336 euros no Teatro Miguel Franco).
O equilíbrio das contas depende, por outro lado, dos subsídios para cobertura do défice de exploração provenientes do Município de Leiria e dos apoios da Direcção-Geral das Artes através da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, que, em conjunto, totalizaram 940.950 euros, ou seja 42,99% do total de rendimentos em 2023. Outras receitas do Teatro José Lúcio da Silva incluem mecenato, publicidade, cedência da sala e cedência de pessoal para actividades municipais em diferentes espaços do concelho.
Os gastos em 2023 ascenderam a 2.183.404,52 euros e dizem respeito, sobretudo, a fornecimentos e serviços externos (75,47%) e gastos com pessoal (21,63%).
O número de espectadores do Teatro José Lúcio da Silva aumentou em 2023 (mais 14.783 para 78.954, um acréscimo equivalente a 18,72%) mas apesar da recuperação ficou aquém dos últimos dois anos antes da pandemia (83.772 em 2018 e 83.729 em 2019). Há ainda a considerar 29.726 espectadores no Teatro Miguel Franco (mais 5.144 do que em 2022) e 661 espectadores no Cineteatro de Monte Real.
Os espectadores fora de portas são já 130.786 numa lista de eventos que abrange, por exemplo, os festivais A Porta e Criajazz, cinema ao ar livre, mas, também, o Leiria Natal, o Leiria Run e o Leiria Sobre Rodas.
No Teatro José Lúcio da Silva realizaram-se 208 sessões em 2023, maioritariamente música, teatro, dança, congressos e conferências, enquanto o Teatro Miguel Franco acolheu 359 sessões, com predomínio do cinema, da música e do teatro.