No regresso a Leiria e ao Teatro José Lúcio da Silva, dez anos depois de expor em nome individual na maior sala de espectáculos da cidade, Tiago Baptista trocou as tintas pelos tecidos e os pincéis pela máquina de costura. Trocou, também, o ateliê em Lisboa, onde vive, por uma residência que o público pode acompanhar, a decorrer até ao final do mês, com o objectivo de criar a instalação “Encenações na sala. O corpo não visto é o corpo vidente”.
Tecido, linha e metal são os materiais que o antigo aluno da Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha está a utilizar para construir três dispositivos, semelhantes a biombos, que funcionarão como cenário para a circulação dos visitantes, incluindo, os espectadores dos eventos acolhidos no Teatro José Lúcio da Silva.
Até 31 de Maio, durante a residência, Tiago Baptista vai “habitar” o átrio do Teatro José Lúcio da Silva, onde a porta se encontra aberta para quem quiser observar e debater as diferentes fases do trabalho – “gostava que as pessoas pudessem visitar”, “participar e ver o que está a acontecer”, salienta.
A máquina Singer emprestada por uma amiga ocupa um lugar de destaque no foyer e desperta a “memória afectiva muito forte ligada à costura e às linhas”, da infância na aldeia, que o artista de 36 anos relaciona com a mãe.
“Voltar a Leiria para mim é sempre voltar a casa”, assinala. “Gosto de convocar algumas memórias do meu crescimento, da minha formação enquanto pessoa”.
Fora da tela, mas, ainda, orientado por “sensações cromáticas”, o processo criativo apresenta-se “muito parecido” com a pintura, segundo Tiago Baptista. “É como ir a uma loja comprar tintas. Todos os dias vou lá comprar mais um tecido, mais uma cor, mais uma textura”.
A sensibilidade pictórica ligada às cores, texturas e luz alia-se às práticas da escultura, num exercício de pintura expandida, sem as restrições da bimensionalidade
Os dispositivos que Tiago Baptista está a preparar inspiram-se no Teatro José Lúcio da Silva (TJLS) como lugar do cinema e das artes performativas para desencadear um jogo entre encenação e realidade.
“Tem que ver com as pessoas poderem visitar a instalação quando car montada”, comenta. “Esse cruzamento de pessoas é que é a performance e é também convocar o público para fazer parte da obra, activar a obra”.
O título – “Encenações na sala. O corpo não visto é o corpo vidente” – sinaliza a natureza das estruturas, que, como biombos, bloqueiam o olhar e configuram o espaço.
Cortar, soldar e coser obrigam a momentos “de aprendizagem”, de “aprender” e “reaprender” com ferramentas, em que acontecem erros. “Se calhar, eu tiro partido deles”, analisa Tiago Baptista. “Há acidentes que acabam por ter algum interesse”.
Quando o convite do TJLS lhe chegou, no final de 2021, surgiu a ideia de abordar a relação entre os conceitos de íntimo e público, invisível e visível, interior e exterior.
“Depois, comecei a pensar em questões relacionadas com fronteiras, com barreiras”, explica. “Não tanto barreiras físicas que nos separam uns dos outros, mas, como é que estes planos verticais, que eu tinha pensado em levantar aqui, em vez de eles desenharem uma bolha fechada, como é que eles podem funcionar como cenário”, sem deixarem de ser “barreiras”, ainda que “diluídas”. Com pormenores de desenho (animais, elementos geológicos, entre outros) e formas, não fixadas de definitivamente. “Quero essa possibilidade de renovação”.
A intenção da instalação é convidar os visitantes a entrar em contacto com discursos e práticas das artes plásticas e visuais contemporâneas. E levar ao questionamento da relação do olhar humano e da percepção corporal, enquanto ferramentas para o entendimento do real.
Há planos para activar a obra através de outras artes (música ou teatro, por exemplo) e o desejo de a colocar a percorrer outros equipamentos de cultura no concelho.
Para já, depois de terminada a residência, vai ficar até 14 de Junho no Teatro José Lúcio da Silva.