Saiu de Portugal em 2010, num momento em que a crise começava a agudizar-se. Mas, mais do que as motivações económicas, foi a procura de valorização profissional que fez Carolina Relvas Britton a rumar a Inglaterra. Uma década depois, o objectivo está conseguido. Actualmente, lidera uma equipa de formação de enfermeiros de cuidados perioperatórios no Hospital Universitário de Cambridge, um dos maiores do Reino Unido, e coordena um projecto para ‘desenhar’ e lançar um mestrado de enfermagem perioperatória, em colaboração com uma universidade inglesa.
No hospital de Cambridge, Carolina Relvas Britton, de 38 anos, é, juntamente com outros dois chefes de enfermagem, responsável por cerca de 650 profissionais num bloco operatório de 37 salas, que “faz qualquer coisa como 40 mil cirurgias por ano”. Além disso, tem ainda uma equipa directa, constituída por sete pessoas – “passarão a 11 este Verão” – dedicada apenas à formação interna.
Em conversa, via email, com o JORNAL DE LEIRIA, que, por coincidência, ocorreu no dia em que o Reino Unido saiu oficialmente da União Europeia, Carolina Relvas Britton recordou os anos de trabalho no Hospital de Santa Marta, em Lisboa, onde diz ter construído as suas “bases profissionais”, inspirada por médicos e enfermeiros “do mais alto calibre”, um profissionalismo que, ainda hoje, à distância, continua a ser para si “ponto de referência”.
A enfermeira conta que, nessa época, final da primeira década de 2000, “avizinhavam-se já grandes bloqueios na progressão para enfermeiros jovens” que, como ela, tinham “sede de crescer e evoluir” e que, “pacientemente, esperavam a oportunidade para a especialização ou mestrado”. Entretanto, “a crise instalou- se, a hipoteca da casa aumentou, o salário continuava congelado ano após ano… Estava na altura de me mexer”.
Chegada a Inglaterra – Royal Brompton & Harefield NHS Foundation Trust –, integrou, de imediato, um bloco de cirurgia cardíaca adulta e pediátrico, à semelhança do que fazia em Santa Marta.“Foi-me reconhecido muito valor. Fui rapidamente convidada a participar em missões internacionais com o cirurgião cardíaco sir Magdi Yacoub e estimulada a avançar a minha carreira para o papel de surgical care practitoner”, recorda a enfermeira.
Nessa fase, e enquanto fazia o seu primeiro mestrado, [LER_MAIS] “inteiramente pago pelo hospital onde trabalhava”, Carolina Relvas Britton era treinada por cirurgiões cardíacos “a assistir [a cirurgias] e a operar”. Registou -se no Royal College of Surgeons e obteve carteira profissional, válida em todo o Reino Unido, Estados Unidos, Austrália e Canadá, onde os enfermeiros praticam este nível de cirurgia.
Em 2015, já ensinava estudantes de medicina em estágio e cirurgiões juniores e avançou para um segundo mestrado, desta vez, em educação cirúrgica. Tornou-se também chefe de equipa de surgical care practitoners (profissionais de cuidados cirúrgicos).
Saudades do bisturi
Desde 2018, que se dedica à formação de enfermeiros de cuidados perioperatórios, estando agora mais afastada do bloco operatório e dos doentes. Diz que tem saudades de usar o bisturi, de saturar, de ver os pacientes e de fazer as consultas de pós-operatório, mas, frisa, “ao investir na formação de enfermeiros e técnicos profissionais em cirurgia”, está a zelar pela segurança dos doentes e responsabiliza-se para que “recebam os melhores cuidados possíveis”. Por outro lado, sempre que pode, continua a fazer turnos para “não perder a perícia”.
Olhando para a realidade da enfermagem em Portugal e no Reino Unido, Carolina Relvas Britton vê “muitas e profundas” diferenças, apontando as oportunidades de evolução profissional como a “mais importante”. “Eu pude optar por evoluir mantendo a prática clínica (em vez de me tornar necessariamente chefe de um serviço). E isto acontece apenas pela condição fundamental que é o reconhecimento de mérito profissional e pessoal”, alega.
A enfermeira explica ainda que, no Reino Unido, os “anos de serviço permitem uma progressão horizontal na carreira, com incremento salarial, mas a formação contínua dá acesso a progressão vertical de escalão para escalão”. E acrescenta: “Há uma valorização maior e um respeito maior pelo trabalho, seja ele dos enfermeiros ou de qualquer outro sector.”