Em Portugal, a Escola da Ponte foi pioneira numa nova abordagem ao método de ensino.
Em vez de pautas, tarefas e relatórios de avaliação rígidos, é dado aos jovens a possibilidade de serem eles a propor actividades no âmbito da sua evolução académica.
O JORNAL DE LEIRIA conta aqui como é a experiência em dois estabelecimentos de ensino no pré-escolar e no 1.º Ciclo, que, tal como no provérbio africano, colocam em prática a ideia de que “é preciso uma aldeia inteira para se educar uma criança”.
No Cubo Mágico, colégio infantil em Leiria para o ensino pré-escolar, as crianças dos cinco meses aos seis anos não são meros “receptáculos” de conceitos e conhecimentos.
A cada uma é dada a oportunidade de se exprimirem nas suas “100 linguagens”, sejam elas a arte, a tecnologia, a actividade física ou a música.
O Cubo Mágico foi fundado há oito anos, com o propósito de ter uma oferta formativa diferente da dos outros estabelecimentos de ensino mais tradicional, com base no método pedagógico Reggio Emilia, em que a escola é o contexto social da criança.
Ali, ela respeita o outro e é respeitada. “Se iniciar um puzzle, amanhã poderá voltar a ele e continuá-lo. Não terá sido arrumado ou mexido”, explica a directora pedagógica, Mónica Resende.
“A metodologia Reggio Emilia privilegia o ser da criança, a qual é a protagonista da construção do seu conhecimento, de acordo com os seus interesses e necessidades, em diferentes etapas da vida, à medida que os desafios, da linguagem à parte motora, se vão apresentando”, explica.
Esta concepção propõe que haja uma comunidade pedagógica à volta do jovem, onde todos educam e são educados, seja ela composta pelos encarregados de educação, docentes e alunos, e que seja o professor a aprender enquanto ensina, compreendendo a lógica de aprendizagem da criança.
“Elas fazem propostas de trabalho singular ou comuns ao grupo. Deixamos que sejam investigadoras da sua curiosidade.”
Assim, não será de estranhar que, numa sala de aula, haja jovens a aprender Ciências, Língua ou Matemática, através de um projecto onde criam uma clínica veterinária ou brincam com um puzzle. O adulto deverá ensinar conceitos através das actividades propostas pelos mais novos.
Uma das partes mais importantes desta metodologia de ensino prende-se com o trabalho de conhecimento e fortalecimento dos aspectos pessoal e emocional.
“É mais importante ‘saber ser’ e ‘saber fazer’ do que a simples aquisição de conhecimentos. A criança deve conhecer o seu potencial e as suas fraquezas para, por exemplo, lidar com a frustração”, explica Mónica Resende, sublinhando que são características muito importantes para saber agir perante a transição para novas etapas da vida e do percurso pessoal.
O salto para o 1.º Ciclo E quando é preciso fazer a transição? Quando é preciso aprender a ler, a escrever e a seguir as indicações de um Ministério da Educação?
No Jardim do Fraldinhas, também em Leiria, Rui Inglês e um grupo de professores resolveram avançar, há seis anos e a pedido dos pais dos alunos do pré-escolar, com os jovens do 1.º ao 4.º anos do 1.º Ciclo, para uma escola para todos, bebendo inspiração em modelos como o da famosa Escola da Ponte ou da escola da floresta.
Aqui, também o protagonismo é do aluno. Chamaram-lhe Casa da Árvore e hoje conta com 78 alunos deste ciclo.
No Fraldinhas, promove-se a autonomia e a consciência cívica, privilegiando o envolvimento nas tarefas, na responsabilidade de gestão da escola e a autonomia da aprendizagem.
Exemplo disso, é a assembleia geral onde pais, alunos e docentes participam todas as sextas-feiras, para mostrarem projectos que concluíram, falar de regras ou discutirem problemas da escola.
No dia em que o JORNAL DE LEIRIA visitou a escola, os jovens estavam preocupados com a utilização da caixa da areia e da “cozinha de lama”, onde já “havia mais areia do que lama” e com um misterioso autoclismo que teimava em ficar ligado, apesar de todos os esforços.
Quem pede a palavra pode inscrever-se para falar, sem atropelos e dar a sua opinião sobre os assuntos que lhe interessam.
Três alunos presidem à mesa, cargo que roda todas as semanas. Há ainda uma acta que é lida com os temas da reunião anterior.
Esta semana, para a disciplina de História de Portugal e Língua Portuguesa, as turmas prepararam uma apresentação de dia inteiro sobre a primeira vez de Portugal nos Jogos Olímpicos, em 1912.
Na quarta-feira de manhã, foram apresentados os factos sobre essa participação e, à tarde, os jovens participaram como “atletas” em várias modalidades. “No modelo tradicional, o professor decide e está acima dos alunos.
Aqui, eles fazem parte do percurso educativo e trabalham projectos todos os meses, a partir dos conteúdos no âmbito do programa do ministério”, explica Rui Inglês, adiantando que tudo assenta na ideia de que, “para ensinar é preciso uma aldeia”.
Na sala de aula, convivem turmas de anos diferentes, apoiados por tutoras (professoras). Os jovens estão entusiasmados com as tarefas que eles próprios escolheram, mas seguem um plano de trabalho e de conteúdos programáticos que têm de ser aprendidos.
São eles, contudo, quem decide como isso vai ser feito. Durante a semana, é dada autonomia e responsabilidade aos alunos para prosseguirem o seu plano de estudos e quando há dúvidas, no final da semana, as tutoras ajudam a clarificá-las.
“Temos um caderno para cada disciplina”, diz Catarina, mostrando os seus, cheios de trabalhos escritos.
O favorito é o de Desenho, que folheia e mostra, página por página. A seu lado, Filipe explica que esta semana é de Cozinhar Histórias e que as abelhas são o tema, enumerando, de seguida, que tipos existem e as cores, dando-nos uma lição de Ciências.
“Dá um pouco mais de trabalho no arranque do ano lectivo, mas depois temos muito gosto em vê-los progredir”, diz a tutora, que também se chama Catarina. A integração nos estádios seguintes da escola passa igualmente pela gestão da frustração e como lidar com a restante comunidade.
“Os alunos que saíram daqui, estão todos nos quadros de honra. Temos alguns que já estão no 9.º ano. Dizem-me que estranharam quando lhes deram 90% ou um Satisfaz Muito Bem. Nunca tinham ouvido falar.”
Rui Inglês garante que até as turmas onde os seus antigos alunos são inseridos ficam a ganhar, quando estes puxam por elas e propõem projectos.
“São agentes de mudança”, diz, com orgulho.
Actualmente, o Fraldinhas é uma aldeia com 270 alunos, 54 docentes e funcionários, dez professores externos e muitos pais, mães e avós.