Chão, computador, livro, janela, caderno, mesa ou cadeira, todos os objectos na sala da educação bilingue da Escola EB1 dos Capuchos, do Agrupamento de Escolas D. Dinis, estão legendados para que as crianças consigam corresponder cada objecto à sua palavra.
A aprendizagem, nesta sala, não funciona de forma linear, onde o professor ensina e o aluno aprende, mas numa lógica rotativa, com uma equipa multidisciplinar que responde às várias necessidades das crianças. Numa sala, acontecem várias coisas ao mesmo tempo: o professor Amadeu Pinto ensina Língua Gestual Portuguesa, a técnica Ana Martins centra-se na terapia da fala, a professora Alice Lagoa ensina o Português, a Matemática e o Estudo do Meio, enquanto a professora Elisabete Santos reforça a mensagem transmitida e ajuda com os trabalhos pendentes.
É um trabalho em rede que, no fundo, decide o futuro daquelas crianças, inseridas numa sociedade que, de maneira geral, não sabe Língua Gestual Portuguesa (LGP).
O ensino bilingue no Agrupamento D. Dinis é encarado como uma referência na região e os alunos surdos, cuja língua materna é a LGP, aprendem a ler, a escrever e a falar português e, sobretudo, a descodificar os conceitos associados ao som.
Isto porque, no caso dos surdos profundos, antes de terem o implante coclear, nunca ouviram as palavras. Precisam de apoio para descodificar cada som, ao contrário dos ouvintes, que ouvem português a partir do momento que nascem.
Ana Martins, terapeuta da fala, explica como funciona um implante coclear. É um dispositivo interno, uma tecnologia que substitui o ouvido interno. Não vai proporcionar uma audição normal. Vai proporcionar uma audição digitalizada. Implica que as crianças, quando colocam o implante, aprendam a processar os sons que lhes chegam. Não são iguais aos que nos chegam a nós. Exige uma aprendizagem explicita, bem orientada e bastante consistente e frequente no dia-a-dia”.
É sabido que o trabalho dos professores ultrapassa o momento da aula, obriga a horas e horas de trabalho em casa, muitas vezes, invisíveis. No ensino bilingue, não é diferente. “Não deixamos de dar obras do currículo. A professora sugere uma história e eu trabalho-a, desmonto os conceitos, tiro as imagens, reduzo a informação. Crio um vídeo com a sequência da história, o colega da Língua Gestual filma-se a traduzir a história e projectamos. Eles aprendem em modelo bilingue. Também colocamos voz para aqueles que conseguem ouvir, porque eles também gostam da música. Mas sempre com legenda”, esclarece Elisabete Santos.
E, para esta aprendizagem, a LGP tem um papel fundamental. Sem esta língua, era impossível aprender português. Mas ainda há preconceitos instituídos, mesmo por famílias com filhos surdos. “Numa família de ouvintes, onde a língua oral é a língua preferencial da comunicação, tudo o que é diferente dessa dita comunicação normal é estranho. Muitos pais consideram que se as crianças aprenderem Língua Gestual, vão comprometer o desenvolvimento da linguagem oral. Pensam que as crianças vão dar mais atenção à comunicação visual e podem perder oportunidades para evoluir na língua oral. Isto é errado. É algo que continua instituído, mesmo pela comunidade médica”, começa por explicar Ana Martins, e acrescenta: “Se eu tenho uma língua de base, vai favorecer a aprendizagem de uma segunda língua. Não é por uma ser de modalidade visual e outra ser de modalidade oral que isso vai influenciar. Porque a linguagem é cognitiva.”
Além dos alunos surdos, também os alunos ouvintes aprendem LGP. Existe meia hora por semana dedicada a esta língua. “É pouquinho. Lá fora [no recreio] todos os alunos oralizam e, às vezes, esquecem que têm um colega surdo que precisava de um bocadinho mais de atenção”, lamenta Elisabete Santos.
O Agrupamento ainda oferece aulas de LGP às famílias das crianças e jovens surdos, via online, com apoio presencial. “Sabemos que não é o suficiente, mas é o que temos, para já”, reflecte a professora de educação especial.
Implantes tardios dificultam aprendizagem
Uma das principais dificuldades da equipa de ensino bilingue acontece quando as crianças chegam tardiamente ao Agrupamento, com implantes colocados também demasiado tarde. “O que acontece, muitas vezes, é eles descobrirem-nos muito tarde. Temos o caso de uma aluna que andou dois anos numa escola sem apoio na área da surdez. Foram dois anos fulcrais. Notam-se as lacunas. Não tem nada a ver com uma criança que está connosco desde o pré-escolar a seguir esta metodologia de ensino e ritmo de ensino”, adverte Elisabete Santos.
Nos casos dos alunos surdos, implantados cedo, existem condições para seguirem no ensino normal, sem necessitarem da LGP para o desenvolvimento linguístico pleno. “Nós recebemos os casos mais graves, cujo ensino tradicional não consegue dar resposta. Por isso é que recebemos meninos que, além da surdez, têm outras questões associadas”, adianta a terapeuta da fala, referindo-se a problemas relacionados com défices de atenção e de comportamento, além de outras deficiências.
As dificuldades são, por momentos, esquecidas, quando estas professoras são abordadas, na rua, por antigos alunos, muitos deles já licenciados e com uma vida activa. “Olho para eles com muito orgulho e sensação de missão cumprida, porque damos muito de nós aqui”, reconheceu Elisabete Santos