Após ter sido ouvido na Comissão de Saúde parlamentar, o JORNAL DE LEIRIA enviou por escrito um conjunto de perguntas ao presidente demissionário do Centro Hospitalar de Leiria para esclarecer algumas das suas intervenções. Dada a dimensão e importância das respostas para os nossos leitores, optámos por publicar em formato de entrevista.
Na comissão de saúde um médicos de Leiria garantiu que o problema da urgência não é apenas de “picos” mas constante. A passagem de turnos torna-se complicada, refletindo-se numa sobrecarga de trabalho. Desmente estas afirmações?
As urgências são um problema nacional e não exclusivo de Leiria, ao contrário do que alguns têm pretendido passar, com alguma manipulação, grande alarido e tomadas de posição excessivas, nem sempre pelos melhores motivos. Erradamente, a abordagem deste assunto tem sido focalizada na urgência hospitalar, sem olhar a montante e a jusante. O problema não é só a capacidade de resposta da urgência, mas sim como e por quem deve ser tratado o doente em situação aguda de doença, que pertence a todos os interventores. Devemos questionar qual a intervenção de cada nível de saúde e como salvaguardar a urgência como última interventora, para que não resulte para si excesso de doentes, mas sim aqueles que verdadeiramente devem ir às urgências e aí serem tratados. Assim, se tudo funcionasse correctamente, evitavam-se sobressaltos nas urgências. Esta é a seriedade como as coisas devem ser colocadas, tecnicamente. Não obstante, não se pode trabalhar num SU [serviço de urgência] da mesma forma que se trabalha num serviço de internamento. Sabemos que os doentes nos SU não devem permanecer mais de 24 horas, logo não deveria existir um volume grande de doentes na passagem de turno, com a tomada de decisões sobre os doentes procedendo, no máximo antes de terminar o turno, ao seu internamento, transferência ou alta. Se juntarmos alguns doentes entique ficam do turno anterior a novos doentes que continuam a chegar, naturalmente a fluidez é menor e surge a sobrecarga. E, nestas circunstâncias, é evidente que os recursos humanos disponíveis são sempre insuficientes.
A ministra da Saúde admitiu que irá avaliar a ‘pendência’ de Ourém para Leiria. Admite que uma das soluções para melhorar a resposta da urgência passa por desviar os doentes de Ourém referenciados pelo CODU para o hospital do Médio Tejo?
Nunca rejeitámos e sempre atendemos os doentes de Ourém que, por iniciativa própria, acorrem ao nosso hospital. É correcto e desejamos que assim se mantenha, que fique bem claro. E já assim procedíamos antes da legislação sobre o livre acesso, onde os médicos de família podem referenciar os seus doentes para qualquer hospital do País. A sobrecarga no serviço de urgência, motivada pela tipologia dos doentes, ficou mais evidente a partir do momento em que o INEM/CODU alterou a sua referenciação, passando a trazer os doentes emergentes/urgentes do concelho de Ourém para Leiria, quando não somos área de influência deste concelho, o que nunca foi uma escolha nem um pedido nosso, ao contrário do que tem sido divulgado. Esta decisão foi tomada subitamente por opção política, quando no governo anterior já tínhamos rejeitado esta opção, por falta de estudos que a fundamentassem, com os necessários meios e recursos a disponibilizar. Temos, persistentemente, tentado reverter esta situação indevida junto da tutela e do INEM, e parece que ninguém quer resolver o problema que foi imposto a Leiria.
Nas suas declarações na Comissão referiu que a tipologia de doentes que vai para as urgências complicou o serviço (idosos com co-morbilidades). Mas essa é a antevisão do futuro, com o envelhecimento da população acompanhada do aumento da esperança média de vida. A aposta não tem de ser no aumento do número de profissionais de saúde?
Claro que tem a ver com o aumento do número de profissionais de saúde. Mas é preciso que os haja, como é o caso dos médicos que continuam a não ser suficientes para as necessidades, e é fácil confirmar que a escassez é generalizada em todo o País e em todas as especialidades, agravado pelas assimetrias entre hospitais, e que as contratações dos restantes profissionais sejam autorizadas, o que não tem acontecido. Mas, a questão não se resolve só com o aumento do número de profissionais nem somente nos hospitais. São doentes complexos, frágeis, que descompensam facilmente e que não deviam chegar no estado em que chegam às urgências. É necessário que, a montante do hospital, a sociedade e as instituições se reorganizem e se criem condições para capacitar as famílias e os cuidadores e que outras estruturas estejam preparadas para assegurar a assistência de que necessitam, evitando recorrer ao hospital. Assim como é igualmente necessário garantir que a região de Leiria tenha o número adequado de camas em cuidados continuados, já que apenas dispõe de 12,45% das camas da região centro.
Referiu que os rácios de profissionais estão aquém do que o necessário, tal como comprovam vários estudos. Admite que a falta de recursos é um entrave ao crescimento com qualidade do hospital?
O CHL tem crescido com qualidade, o que, sucessivamente, tem vindo a ser reconhecido. Os seus serviços diferenciaram- se, aumentaram o seu grau de complexidade, ficando aptos a tratar patologias mais complexas sem necessidade de os utentes se deslocarem a outros hospitais. Assim como temos vindo a criar novos serviços, novas áreas e novos projectos estruturantes. E merece elogio o esforço nobre dos nossos profissionais, que, com um excelente exemplo de dedicação e empenho, fizeram com que o hospital atingisse este patamar de desenvolvimento. Mas, para continuar a responder às reais necessidades dos seus utentes, em termos de serviços, de valências e de rapidez de resposta, tem de incrementar os seus recursos humanos. E é o que temos vindo a desenvolver: em 2005 dispúnhamos de um total de 1225 colaboradores, em 2010 de 1265, em 2015 de 1733 e hoje somos 1930. Em 2005, por exemplo, tínhamos no nosso quadro de pessoal 140 médicos e hoje temos 243 – a que acrescem os 117 internos de formação especializada e 38 internos de formação geral; enfermeiros eram 509 e hoje são 809. Mas ainda precisamos de muitos mais e este levantamento está feito, consta do nosso projecto estratégico 2018-2022 e da respectiva dotação de recursos humanos, estando identificados nas diversas categorias profissionais um total de mais 610 colaboradores a contratar de forma faseada à medida que a concretização das medidas propostas ocorram.
O deputado José António Silva lembrou-o que disse ao Governo que não precisava de nada. Justificou que o CHL está num nível que não deve ‘pedinchar’. Não deveria ter sido mais acutilante nas exigências à tutela?
Essa é só uma parte de uma frase proferida ironicamente, noutras circunstâncias e descontextualizada, mas que pode ser aplicada também na saúde. Mas não devo pedinchar mesmo! Disse nessa altura que Leiria não deve pedir, mas exigir o que merece e conquistou por direito próprio, consequência da capacidade [LER_MAIS] das suas entidades, das suas empresas, da sua população. E devem reconhecer o esforço, o mérito e a legítima ambição e disponibilizarem os meios e os recursos que lhe são devidos. Muito diferente de ser subserviente e de colocar a mão estendida. Sou reconhecido por ter sido sempre muito acutilante nas exigências à tutela, não só pelos canais próprios, mas também nas cerimónias quando nos visitam, o que é público e reconhecido pelos meus colaboradores. Exigimos, tal com sempre fizemos, o que é devido porque temos trabalhado para isso e apresentado resultados e reivindicamos o que necessitamos para servir melhor os nossos utentes. A tutela tem que exigir que a administração cumpra o seu papel, mas para que possa exigir deve ser justa, objectiva, transparente na alocação de recursos a cada instituição. Mas, no nosso caso não tem sido assim.
Quais os resultados do protocolo que foi recentemente estabelecido com o Agrupamento dos Centros de Saúde Pinhal Litoral, encaminhando para os cuidados primários os doentes não urgentes?
É um processo que se está agora a iniciar, mas que, independentemente do número de doentes que consigamos vir a encaminhar, tem dois grandes benefícios. Primeiro, contribuir para uma maior literacia dos doentes sobre a forma adequada de utilizar os cuidados de saúde. Confesso que não percebo por que motivo não se fala mais neste aspecto e não se coloca, por exemplo, instituições académicas e empresas de comunicação a estudar melhor este assunto e a trabalhar em campanhas para a população, capacitando-a para lidar melhor com a doença. Segundo, uniu os dois níveis de cuidados a trabalharem num projecto comum, no qual ambos reconhecem vantagens para conseguir o melhor tratamento para o doente em cada situação. A disponibilidade dos médicos de medicina geral e familiar para acolherem este projecto e dos nossos profissionais para numa situação de urgência introduzirem mais parâmetros a avaliar, são dignos de registo. Está em vias de operacionalização a plataforma que permitirá encaminhar os utentes triados como pouco urgentes e não urgentes directamente para os centros de saúde, marcando consulta para o próprio dia. Iremos também, a curto prazo, desenvolver um trabalho de acompanhamento dos utentes hiper-frequentadores do serviço de urgência para avaliar os motivos e a forma de os solucionar, conjuntamente.
A ministra afirmou que o hospital está a sofrer de “dores de crescimento”. Esta afirmação é o reconhecimento do trabalho desenvolvido?
Não sei, mas quero crer que sim, até porque, já por diversas vezes e por diferentes governos, tem sido reconhecido o trabalho desenvolvido por todo o nosso centro hospitalar, apesar dos constrangimentos e situações adversas em que o desenvolvemos, e que estiveram sempre presentes, superando essas carências. Financiamento, recursos humanos e investimento são fundamentais para que o CHL continue a preservar os serviços e os projectos que preconiza. Os profissionais têm sido o seu motor de desenvolvimento e este percurso tinha que ser feito para recuperarmos o atraso existente em 2005, não parar no tempo e não perder a oportunidade de acompanhar a nova organização hospitalar e evoluirmos para um nível elevado que corresponda localmente às necessidades em saúde na nossa população. E é por isso que, apesar das fragilidades e carências que ainda temos, elaborámos o projecto estratégico 2018- 2022, perspectivando o desenvolvimento futuro que a comunidade que servimos necessita e que cumpre ao CHL assegurar, com o intuito de acrescentar mais valor para que este centro hospitalar seja cada vez mais uma instituição de saúde de referência regional, o que pressupõe o apoio à sua concretização por parte da tutela. Esperamos que, ao ser utilizada a referida expressão, possa significar a legitimação desta ambição para o CHL.
O Jornal de Leiria sabe que tem sido pressionado por várias forças vivas para reequacionar a sua demissão. Se o Ministério da Saúde lhe pedir para ficar e lhe proporcionar as condições que tem vindo a reivindicar, como mais recursos humanos e técnicos, admite permanecer como presidente do CHL?
Essa questão não se coloca. A principal preocupação é e sempre foi que sejam proporcionadas as condições e os meios que foram sempre reivindicados e que o CHL merece. Sendo certo que são reconfortantes as inúmeras manifestações de apoio, não tanto para mim, mas ao trabalho que tem sido desenvolvido pelos nossos colaboradores e à evolução do CHL.
Como explica que passado vários anos em que o CHL tem sido sistematicamente elogiado e a qualidade dos serviços reconhecidos por várias entidades, de repente surjam um conjunto de críticas, vindas de vários pontos?
As críticas não vêm de vários pontos. A sua origem está perfeitamente localizada, havendo depois um aproveitamento político e um aproveitamento mediático, ambos oportunísticos, de situações pontuais. Mas no CHL nunca fizemos política nem trabalhámos para os media, sempre trabalhámos para resolver os problemas das pessoas, dos utentes do Centro Hospitalar de Leiria. Na prática, todos os problemas apontados residem num só: falta de profissionais de saúde! A que acresce a falta de financiamento da actividade e de investimento. E nessa matéria o conselho de administração, sabendo que esse não é um problema exclusivo do CHL, pelo contrário, estende-se a todo o SNS e sector da Saúde, sempre reivindicou, em privado e publicamente, a sua resolução junto da tutela.