A Maceira tem-se destacado nosrankings nacionais. A responsabilidade é dos alunos, dos professores ou de ambos?
De todos. É uma organização que vale pelo seu conjunto. Mas destacava primeiro os alunos. É um trabalho de cariz muito humanista, de ligação à comunidade, que tem feito valer estes resultados. Nos rankings põe-se muito a tónica no secundário, mas destaco os resultados do 9.º ano, que há cinco anos nos colocam acima da média nacional. Somos agrupamento há 20 anos e o trabalho articulado tem tido um grande valor, traduzido em resultados académicos, mas com muitas outras componentes que são fundamentais. Também tenho de destacar o grande trabalho dos meus colegas, profissionais de 'longa juventude' e de outros técnicos, que têm contribuído para ajudar os jovens a ultrapassar as suas dificuldades e limitações. A maioria dos profissionais estão aqui há cerca de 30 anos. A Maceira era uma escola de passagem, de subúrbio, e fixou os professores, que fizeram uma aposta neste projecto. Tudo isto contribuiu para termos uma população homogénea, estável e com bons desempenhos, não só académicos como a nível desportivo, social e cultural. Temos tido jovens bem formados, que é aquilo que mais gosto de salientar. Mais importante que os rankings, tenho de destacar o prazer que me dá ter alunos premiados com bolsas de mérito ou com as bolsas +Indústria atribuídas pelo Instituto Politécnico de Leiria. Não gosto de ser indiferente a uma comunidade educativa que nos acompanha: a comunidade da Maceira e os seus responsáveis, sem esquecer a ligação ao concelho. Leiria tem um projecto educativo municipal e não tem sentido falar de uma escola isolada na Maceira. Também partilhamos as coisas boas de cada uma das escolas à volta, como a da Batalha e a Calazans Duarte, na Marinha Grande. Ao longo dos anos, temos tido autarcas disponíveis e sensíveis à causa da educação, que nos dão o essencial.
Concorda com os rankings?
Se há algum efeito positivo que possam ter é promover o diagnóstico e uma reflexão atenta. Quando são tratados da forma negativa – a pior escola – é altamente prejudicial. Isso não traduz o tanto trabalho que se faz numa escola e, sobretudo quando se fala numa escola pública, a diversidade cultural, o tipo de alunos, a sua proveniência sócio-económica e as limitações. A escola pública tem de tratar todos por igual.
Que mais-valias trazem os bons resultados?
Não nego que o nosso ego fica reforçado. Preferia que a escola não tivesse estes holofotes em cima porque também é perturbador e traz-nos mais responsabilidades. Foi muito salutar ter mantido esta posição cimeira e estar acima da média no 9.º ano há mais de cinco anos. Os efeitos são sempre positivos, mas sabemos que se numa próxima amostragem as coisas não correrem bem vão questionar: o que é que aconteceu para haver esta queda. Isto também tem a ver com uma geração de alunos. O secundário nasceu na Maceira, porque Leiria estava sobrelotada e foi uma oportunidade para ganharmos mais espaços físicos. Alguns alunos preferem os grandes centros, escolas como a Rodrigues Lobo e a Domingos Sequeira, que se notabilizaram, e tivemos que rivalizar com elas, criando uma imagem para nós. Jamais quero aqui alunos obrigados. Têm bons resultados, mas instalações que há muito carecem de obras. A componente mais frágil diria que é o parque escolar. Mas temos que nos agarrar àquilo que nos pode dar mais capital de confiança: a dimensão humana que aqui trabalha e a sua comunidade. Sendo escola de subúrbio partimos sempre um bocadinho atrás e há argumentos que não conseguimos ter. Tenho uma associação de pais que nos ajuda imenso nas componentes de apoio à família e nas refeições, o que nos dá uma tranquilidade muito grande. Todos trabalhamos para o lema de ter a camisola da Maceira vestida para termos boas pessoas e com bons resultados. As escolas com esta tipologia nasceram nos anos 80. São funcionais, mas têm fragilidades enormes ao nível da sala de aula, com portas e janelas em enorme envidraçado. Não temos um auditório, nem tínhamos telheiros de ligação entre blocos.
Ser um agrupamento mais pequeno facilita os bons resultados?
Sim. Nas escolas mais pequenas pode-se fazer um trabalho mais directo e personalizado e um trabalho de articulação e colaboração mais rentável. Conhecemos melhor os alunos e as suas dificuldades. Permite também um processo ensino-aprendizagem mais tranquilo e com mais valor. Por princípio, não sou favorável aos exames. O mais correcto é a avaliação contínua. Face ao acesso ao ensino superior e ao facto de haver ensino privado e público tem de haver procedimentos uniformes, mas já se questiona um pouco se o acesso ao ensino superior não poderá ser diferente.
O reitor da Universidade Nova, João Sàágua, defendeu que as universidades deviam ter uma quota de vagas para poderem selecionar alunos através de provas locais, de entrevistas pessoais ou apresentação de portfólios. Concorda?
Sem dúvida. Nunca fui apologista dos exames. Via os exames como um mal necessário, para criar alguns parâmetros de universalidade. Não consigo dizer: fim dos exames. Mas a minha experiência faz-me assumir que um aluno vale muito mais do que o dia do exame. Se calhar o acesso ao ensino superior tem de ser visto de outra maneira. Há países onde se fazem entrevistas e se avaliam, para além dos seus conhecimentos, outras competências que determinadas profissões exigem.
Com a escolaridade obrigatória até aos 18 anos, o sistema educativo passou a ter alunos que preferiam estar a trabalhar. Que desafios trouxe?
Como ser escola para todos? O grande desafio é trabalhar com os alunos que têm problemas do ponto de vista social, pessoal, relacional e até da sua saúde. Como é que esse aluno está dentro da sala de aula? Há dez anos falava- se muito da gestão flexível do currículo; houve o estudo acompanhado, a área de projecto e nós fomos pioneiros nessa realidade que tem um pouco a ver com esta escola diferente que se pretende para responder a todos. Aos anos que andamos a tentar encontrar caminhos. Vêm decretos-lei… mas a escola não se muda com decretos. Muda-se com as pessoas e com quem está. Os alunos é que nos vão obrigar a ser uma escola diferente. Os Cursos de Educação e Formação (CEF) e os projectos curriculares alternativos foram formatos que a escola foi reivindicando face aos alunos que tem. Os rankings desses alunos é que são muito difíceis. Um aluno desses representa uma energia muito grande numa escola. Passamos muitas horas do nosso dia a falar com a Segurança Social, com a comissão de menores, com o tribunal e com os sistemas de saúde para encontrar uma solução. As tecnologias, a nova empregabilidade, os novos apelos sociais trazem muito desses alunos e, claro, a escolaridade obrigatória até aos 18 anos tornou mais visível essa situação. No meu tempo esses alunos estariam a trabalhar. Há dias em que ficamos emocionalmente perturbados. Como é que a escola vai sentar aquele [LER_MAIS] aluno a ouvir uma aula de Português ou de Matemática, quando ele está completamente ligado a outra atmosfera.
A escola tem de se adaptar aos jovens.
Sem dúvida. A escolaridade obrigatória até aos 18 anos é importante. São jovens como os outros, que precisam Andamos a tentar encontrar caminhos. Vêm decretos-lei… mas a escola não se muda com decretos. Muda-se com as pessoas e com quem está. Os alunos é que nos vão obrigar a ser uma escola diferente. Em destaque de compreender os princípios básicos do convívio humano e é na escola que se pode encontrar essa matriz comum. Mas temos de encontrar vias que possam dar motivação e um futuro condigno a esses jovens. É nesses que estão os melhores na componente prática. Quando os convidamos a ajudar-nos a arranjar computadores ou bicicletas são os mais disponíveis e os que nos dão uma lição. Apesar da dificuldade e de algum desânimo partilhado entre todos, quando conseguimos que um desses alunos tenha alguma via de sucesso, vale mais do que os lugares cimeiros no ranking. Sei que há professores que consideram que estamos a investir demasiado nos alunos com mais dificuldades. Mas os bons alunos vão ter sucesso no seu percurso. Temos de criar realmente uma escola para todos. Faltam-nos argumentos para a diferenciação pedagógica. Fala-se muito da arte de ensinar e pouco da arte de aprender. A arte de ensinar já teve um estatuto. Neste momento, temos alunos com um capital de informação e de conhecimento brutal e temos de tentar dominar essa componente. É a tal pedagogia diferenciada. É o trabalhar para cada aluno. Essa componente já está interiorizada em todos os professores, mas às vezes, na prática, é um pouco mais difícil.
O Ministério da Educação criou o novo Perfil do Aluno. Que características defende para os alunos?
Pretendemos uma sociedade mais justa, mais humana e empreendedora. Portanto, será um perfil de aluno baseado numa educação pela justiça, numa perspectiva do empreendedorismo e que respeite o próximo. À volta destes três conceitos trabalharia todos os outros, como a inclusão, democracia e tolerância. Costumo dizer aos alunos: o que queremos de vocês é que sejam gente boa. De que vale serem bons a Matemática e a Português se depois não têm princípios, se não sabem respeitar o colega, não sabem colaborar, nem ser solidários e empreendedores?
Há alunos que se queixam das aulas serem uma “seca” e demasiado expositivas. Continuamos com uma escola do século XX?
Apesar da maior parte dos professores já terem a tal 'longa juventude', não tenho sentido resistências à mudança e perceberam – os alunos fazem- -nos perceber – que o tipo de aula tem de ser diferente. Se é fácil libertarem-se dessas amarras, do tipo de sala tradicional, não é. Há aulas que têm mesmo de ser expositivas. Ser professor é um dilema muito grande. Temos a nossa formação, mas também uma componente muito pessoal. Os professores percebem que o aluno que está à frente tem outro tipo de apelo, mas criar novas metodologias e espaços de aula não é fácil, desde logo pela condicionante da estrutura física, do tipo de sala e de mobiliário. O paradigma actual já não põe a tónica tão forte, como nas anteriores políticas educativas, no Português e na Matemática. Há uma tendência para valorizar as expressões artísticas e físico- motora. Mas as metas têm de ser cumpridas e os alunos procuram ter boas médias.
É possível em Portugal pôr fim à retenção de alunos?
Há tendência de dizer que ser contra a retenção é favorecer o facilitismo. Defendo que seja possível ajustar percursos para os alunos. Tive alunos de 15 anos no 2.º ciclo. O que está a fazer aquele moço de 15 anos numa turma em que a média de idades é de 12? Não pode acontecer. Ele deve poder continuar a progredir, mas devem ser introduzidas formas de apoio, de recuperação, de trabalho que acompanhem as suas insuficiências. Não é uma escola de facilitismo em que passam todos. É uma escola que os faça caminhar na mesma com um percurso específico adaptado à sua realidade. Quero uma escola que dê resposta a todos. Nesta altura do ano procuro saber que medidas é que ainda posso introduzir para ajudar a recuperar os alunos mais fracos. Temos o Centro Qualifica na Maceira e estamos a ver se pode ser uma solução para enquadrar jovens que estão perto dos 18 anos. Poderiam continuar com outra formação e começar a trabalhar, como tanto desejam. Temos de investir em cada aluno. Há quem diga que se vai gastar mais dinheiro em quem não quer estudar, mas se calhar irá pouparse no futuro. Esse poderá ser um jovem de consumos, que vive de subsídios, delinquente. O que é que isso representa de prejuízo para o Estado? Se calhar, é preciso pôr mais técnicos e professores na escola, dividir as turmas e criar grupos de trabalho. É mais fácil dizer que a culpa é da sociedade e dos pais, mas os pais são o produto da escola e da sociedade.
Director em todos os modelos escolares
Com 58 anos, Jorge Bajouco, natural de Moçambique, tem 36 anos de serviço à causa escolar, dos quais completará, no presente ano, 30 anos de gestão e administração escolar. Professor do Ensino Básico e Secundário, é licenciado em Biologia, ramo educacional, pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Ao longo de três décadas, o director do Agrupamento de Escolas Henrique Sommer vivenciou e integrou os vários modelos de gestão escolar democrática, pós-25 de Abril, sempre na escola de Maceira, agora Agrupamento. Tem especializações e pós-graduações em Gestão e Administração Escolar. A Biologia, nomeadamente a sua biodiversidade é uma paixão.