Na sua mensagem de ano novo, o Presidente da República pediu políticos mais confiáveis. Foi um apelo motivado pelos vários casos ocorridos no último ano envolvendo deputados?
O Presidente tocou num elemento essencial: a confiança. Quanto ela é posta em causa, o contrato que existe entre representantes e representados sofre. E isso tem tido reflexo nos elevados níveis de abstenção.
A descredibilização dos políticos em Portugal pode abrir caminho ao surgimento de movimentos populistas?
Até agora Portugal tem ficado intocável a esses fenómenos, como aconteceu com as eleições no Brasil e nos EUA ou até mesmo com o Brexit, mas nada nos garante que assim continuaremos. Em Portugal não estamos imunes ao populismo. É a falência dos sistemas partidários e políticos convencionais que leva ao aparecimento deste tipo de fenómenos. De nada serve limitarmo-nos a concluir, como fazem alguns, de que são as pessoas que estão erradas quando votam nesse tipo de políticos e de políticas. Isso acontece quando as pessoas já não acreditam nas opções do sistema convencional. A regeneração do regime é fundamental para evitar esse tipo de aparições em Portugal.
As palavras do Presidente da República foram um puxão de orelhas à classe política?
Foram, mas a classe política não precisava desse puxão de orelhas para perceber que alguma coisa tem de mudar para que as pessoas confiem. Para evitar generalizações, como a de que 'são todos iguais', temos de demonstrar que os bons exemplos são incomparavelmente superiores aos maus. Também não pode haver corporativismo quando essas situações acontecem, através do silêncio ou desculpabilizando aquilo que do ponto de vista político e ético é absolutamente condenável.
A descredibilização dos políticos é também culpa dos próprios?
Sem dúvida. Isso acontece devido a maus exemplos, como currículos que nem sempre correspondem à verdade ou pela questão das faltas [no Parlamento], adensados por casos que vieram a público de corrupção. Este é um tema de que tenho falado porque afecta muito o meu papel como política e todas as pessoas que são sérias e que acreditam que a política serve, em primeiro lugar, para melhorar a vida dos outros e não para estar ao serviço dos nossos interesses pessoais. Paralelamente, é importante sinalizar os bons exemplos. Há coisas relevantes que são feitas e aprovadas no Parlamento que não têm visibilidade e que passam ao lado do cidadão.
Referiu que é preciso “regenerar” o sistema político. Que mudanças considera mais prementes?
Devíamos facilitar a forma de as pessoas participarem nos processos eleitorais. É inaceitável que o voto electrónico ainda não esteja consagrado. Continuamos a exigir que a pessoa tenha de votar onde está recenseada, mesmo que se encontre noutra ponta do País. Devia haver também uma forma, seja através do voto preferencial ou de uma combinação entre um círculo nacional e círculos uninominais, de permitir aos eleitores fazer uma diferenciação entre os vários candidatos. Seria uma forma de avaliar o desempenho dos candidatos. Depois, em política não pode haver complacência com os maus exemplos.
Houve complacência em alguns casos que vieram recentemente a público de comportamento menos próprio de políticos?
Houve. Procurei, na medida do possível e sempre que fui questionada, dizer que as situações que são lamentáveis não podem ser desculpadas, sob pena de haver uma normalização das coisas más, que prejudicam tudo o que se faz de bom. A generalização de que somos todos iguais não pode, de todo, corresponder à realidade. Mas isso só acontece se tivermos a coragem de dizer que há determinadas situações que não podem acontecer.
O PSD agiu com a firmeza que a gravidade dos casos exigia?
As pessoas em causa tomaram as ilações que deviam ter tomado. As situações são, de facto, graves e colocam em causa, em primeiro lugar, a imagem do Parlamento, que já não é positiva, também por desconhecimento do que é o trabalho dos deputados, que não se limita aos debates em plenário. Aliás, o mais significativo desse trabalho está nas comissões, nas iniciativas legislativas que apresentam, nas visitas e nas reuniões que os deputados fazem um pouco por todo o País a empresas, escolas e outras instituições.
Na disputa pela liderança do PSD, optou por se manter à margem…
Mas não escondi em quem votei [Pedro Santana Lopes].
Disse na altura que não se tinha envolvido porque “nenhuma das duas campanhas a motivou a participar activamente”. A actual liderança do PSD já a cativou?
A relação que tenho tido como presidente da 'jota' com o líder do partido tem sido irrepreensível. A JSD nem sempre concorda com o partido nem tem de concordar. Recentemente apresentei um projecto de lei sobre a legalização do lobbying e o partido não me acompanhou, mas não viu nisso uma afronta porque percebe o que é a autonomia da JSD. Vou avançar, este mês, com uma proposta sobre a delação premiada. O partido está informado e respeita a nossa autonomia. Este é um ponto fundamental na minha relação com a liderança do partido. Outro é a compreensão de alguns temas que são muito importantes para a JSD, como a corrupção. Propusemos que os militantes condenados por corrupção fossem expulsos e o partido incluiu a proposta no seu regulamento disciplinar. A propósito do alojamento estudantil, que é o maior flagelo que afecta os estudantes do ensino superior, a 'jota' não foi sozinha a jogo e o partido apresentou várias propostas em sede de Orçamento do Estado, como o aumento do complemento de alojamento e o reforço, em 15 milhões de euros, da verba para construção e requalificação de residências de estudantes.
As sondagens parecem indicar que a liderança de Rui Rio ainda não cativou os portugueses. O que está a falhar?
Alguns episódios não têm corrido bem, mas ainda faltam nove meses para as eleições. Em [LER_MAIS] política, isso é muito tempo. Houve mérito do ministro das Finanças em ter amarrado o PCP e o BE ao cumprimento das metas do défice e ao tratado orçamental, mas fê-lo à custa da degradação histórica dos serviços públicos. O investimento público é hoje mais baixo do que no pico da austeridade imposta pela troika. Em Dezembro, não houve dia nenhum sem greve. E o insuspeito Arménio Carlos [líder da CGTP] já avisou que este clima de contestação vai aumentar. Isto não é, como diz o ministro das Finanças, a prova de que as pessoas estão contentes. Associado à falta de investimento em áreas como as infra-estruturas, a saúde e a educação, há a questão das cativações, que tem implicação directa na qualidade do serviço prestado. A narrativa do Governo tem sido desmascarada pela realidade. O PSD tem de, nos próximos meses, mostrar o caminho alternativo e propô-lo ao País, para merecer o voto das pessoas.
Caso nenhum dos partidos ganhe com maioria, qual a solução: uma nova geringonça ou um governo de Bloco Central?
Se acredito que o PSD pode ganhar as eleições, não faz sentido partir do pressuposto que acontecerá uma coisa diferente. Não me parece que o PS, com a radicalização que fez à esquerda, seja alternativa para uma eventual aliança ou acordo com o PSD.
Prefere ver o PSD na oposição do que a fazer governo com o PS?
Prefiro e quero que o PSD esteja a governar o País, porque isso é o melhor para Portugal.
Votou a favor da despenalização da eutanásia, da procriação medicamente assistida e da adopção por casais homossexuais. No que toca aos costumes, dir-se-ia que encaixava melhor numa bancada de esquerda.
É errado dizer que essas causas são de esquerda ou de direita. São é apropriadas injustamente por alguns partidos. O meu voto nessas questões não foi para ser disruptiva. Houve razões que me levaram a tomar essa posição. Na adopção era claro para mim que o que estava em causa era o direito de alguém a ser adoptado e a ter uma família. A questão da eutanásia foi diferente e demorei muito tempo a tomar uma posição.
O Parlamento irá debater este mês a legalização da cannabis para fins recreativos. Já veio a publico manifestar- se a favor.
Sou a favor, desde que seja acima dos 21 anos e numa lógica de saúde pública e de controlo do que é comercializado. Temos hoje um regime relativamente hipócrita. O Estado deve controlar, regular e não se pode demitir de uma realidade que está a olho nu. Seria importante que, com as receitas arrecadadas, o Estado pudesse apostar claramente na saúde pública e na sensibilização dos jovens para os efeitos nefastos do consumo de drogas para a saúde.
Apontou a educação como uma das prioridades do seu mandato na JSD. Por que é que é contra a redução de propinas?
Do ponto de vista social, a redução de propinas é uma medida muito injusta. Marçal Grilo, socialista e ex-ministro da Educação, afirmou isso mesmo. Reduz-se a propina máxima para todos, inclusive, para aqueles que a podiam continuar a pagar. Por outro lado, não se garantiu às instituições os 50 milhões de euros que vão perder por força dessa redução. A medida tem também implicações no cálculo da elegibilidade para bolsa de estudo, o que vai deixar milhares de alunos sem se poderem candidatar a esse apoio.
Além da resolução do problema do alojamento estudantil, que outras medidas considera prementes na área da educação?
É importante resolver a questão do peso das mochilas. A escola continua a funcionar como há 20 ou 30 anos. É preciso apostar na modernização e digitalização do ensino. Nenhuma tecnologia vai, algum dia, substituir um bom professor. Mas temos de colocar as novas tecnologias ao serviço da educação.
É a única deputada do PSD na Assembleia Municipal da Marinha Grande. Que avaliação faz do desempenho do executivo?
Não pode ser positiva. Aquando da recente discussão do Orçamento, o PSD propôs a criação de um grupo de trabalho para acompanhar a execução do orçamento, o que foi aprovado por unanimidade. O executivo tem revelado incapacidade de executar. Em Novembro, tínhamos uma taxa de execução orçamental de 23%, que, no final do ano, terá chegado aos 37%. É muito aquém do objectivo traçado pelo executivo.
Face à dificuldade de entendimento entre as várias forças políticas, teme que a Câmara se venha a tornar ingovernável?
A presidente tem de fazer cedências para permitir que a Câmara seja governável. Não tendo o PS maioria, tem de ouvir e aceitar propostas das outras forças políticas. É mais difícil? É, mas houve razões para os eleitores não terem dado maioria absoluta ao PS. Se executivo continuar com esta incapacidade de executar e de criar pontes com as outras forças políticas, a Câmara pode tornar-se ingovernável.
Acredita que o PSD pode recuperar a Câmara de Leiria nas próximas autárquicas?
Espero que sim. O concelho não perdeu a sua matriz social-democrata. Se olharmos para os outros actos eleitorais percebemos que os eleitores do concelho continuam a confiar no PSD. O PSD tem de perceber que Leiria é uma prioridade e preparar, o quanto antes, o terreno para as próximas autárquicas. Isso não se faz em 2021.
Está na política desde os 15 anos. Qual a maior alegria que a política já lhe deu?
Um dos momentos mais felizes foi a oportunidade de fazer o discurso do 25 de Abril na Assembleia da República, pelo que pude dizer, não só agradecendo aos que fizeram a revolução, mas expondo o que é para mim o Portugal por fazer e os desafios que temos pela frente, seja na educação seja na saúde, mantendo o SNS como universal e tendencialmente gratuito, mas rápido, célere e eficaz, ou na solidariedade entre gerações, garantindo que os mais novos têm direito a um futuro e os mais velhos têm direito a um presente com qualidade.
E o pior momento?
Os incêndios de 2017. Perceber a falência do Estado na resposta às populações foi o pior momento.
Percurso
Primeira mulher a liderar a JSD
Nasceu, há 29 anos, na Marinha Grande, terra tradicionalmente comunista e, por isso, campo difícil para a social-democracia. Mas foi por 'culpa' de uma dirigente da Juventude Comunista que, aos 15 anos, Margarida Balseiro Lopes aderiu à JSD do seu concelho, estrutura que viria a liderar. Nas últimas legislativas, com apenas 26 anos, foi eleita deputada pelo circulo de Leiria e, no ano passado, venceu as eleições para a JSD nacional, tornando-se a primeira mulher a liderar a estrutura. Enquanto ia subindo degraus na política, formou-se em Direito, pela Universidade de Lisboa, fez um mestrado em Direito e Gestão e trabalhou como consultora fiscal numa empresa de auditoria e consultoria. Actualmente é Conselheira Nacional do PSD e membro da Assembleia Municipal da Marinha Grande. O pouco tempo livre que a política lhe deixa dedica- o à família e aos amigos. Gosta de ler e viajar.