Três meses após o incêndio do Pinhal de Leiria e seis depois do de Pedrogão Grande, as empresas de madeira e mobiliário já sentem dificuldade de obtenção de matéria prima?
Os incêndios foram a pior notícia para o sector, sobretudo do ponto de vista humano, devido às mortes que aconteceram, e que a AIMMP lamenta profundamente. É pena que a floresta tenha começado a ser vista de outra forma porque morreram pessoas. É inadmissível que isso aconteça. Andamos há 30 anos a queimar a floresta e não fazemos nada. No curto prazo, dada a quantidade de madeira que ardeu, quer na mata privada quer na pública, vamos ter matéria-prima para dois anos, não obstante ser madeira queimada, de pior qualidade, o que nos obriga a ter custos de armazenamento. A má notícia é o day after. Aí é que vai ser a tragédia. Muitas pessoas andam a assobiar para o ar, ainda não se aperceberam que as coisas são ser muito duras. Não fizeram contas para perceber que o sector pode consumir 1,6 milhões de toneladas por ano e que vamos ter nos próximos anos um défice brutal de madeira de pinho.
O que coloca em risco a sobrevivência de muitas empresas…
Não vendemos aquilo que não temos. Para vendermos produtos derivados da floresta, precisamos de ter matéria-prima. Se ela escassear, vamos ter de a importar. Isso significa que vamos perder competitividade, porque a madeira viaja mal, são grandes volumes mas pouco valor, e o custo de transporte é elevado. Vai ter de haver inovação, desenvolvimento, criação de valor acrescentado, nomeadamente com utilização de outro tipo de materiais que não a madeira na fabricação de mobiliário. Também haverá mais fabricação de painéis com maior incorporação de eucalipto, porque este se tornou a árvore mais popular em Portugal.
Prevê a perda de milhares postos de trabalho nos próximos anos…
É difícil quantificar de uma forma exacta [quantos empregos se perderão], mas de uma coisa tenho a certeza: quando aumentam as dificuldades de operação das indústrias, as micro empresas têm mais dificuldade em vingar. Como sabemos, são estas as que mais fixam emprego, e sobretudo nas zonas do interior. As grandes empresas vão ter tendência a ser mais automatizadas, a ter uma produtividade mais forte. Mas as pequenas tornam-se menos competitivas e é aí que vamos ter uma grande perda de emprego. Se estamos a depauperar as condições de operação das empresas, vamos assistir seguramente a uma redução do número de pessoas necessárias para trabalhar. Mesmo antes destes incêndios, que foram um grande cataclismo para a floresta e para as indústrias que dela dependem, já havia tendência para o aumento da dimensão das empresas, da mecanização e alguma redução do número de efectivos.
Todos os anos ardem centenas, senão milhares, de hectares de floresta. Quem ganha com os fogos?
Em Economia há um princípio que é a chamada lei da soma nula: aquilo que um ganha é exactamente igual àquilo que outro perde. Se efectivamente há lesados, há-de haver alguém que é beneficiado. Que fique claro que o facto de eu dizer que há entidades, ou organismos ou pessoas, que ganham com isto não significa que esteja a afirmar que quem ganha é a pessoa que põe o incêndio. Ou seja, não estou a dizer que há uma relação de causa-efeito entre quem ganha e o incêndio que ocorreu. Há uma expressão usada pelos cangalheiros que é ilustrativa: 'não quero que ninguém morra, mas quero que a minha vida corra'. De uma coisa tenho a certeza: 75% das ignições são de origem dolosa, 24% poderão ser negligência, que não deixa de ser crime, e 1% devem-se a causas naturais. Entre as dolosas, há uma panóplia tão grande de motivos pelos quais uma pessoa chega um incêndio que se torna muito difícil abordar este assunto de uma forma séria. Quando quem actua de forma dolosa sabe o que está a fazer, escolhe o dia, a hora, o vento, para que realmente seja muito difícil combater o incêndio. E é no mínimo muito estranho que 40% das ignições que ocorrem em Portugal aconteçam depois da hora a que os aviões de combate podem levantar. Há muitas ignições à meia-noite, à uma da manhã. A essa hora não é calor, nem piquenique, nem pessoas a fumar na floresta…Enquanto cidadão, tenho o direito de querer saber quem comete o crime de incêndio.
Há falhas na fiscalização, na prevenção, na penalização?
Falha tudo isso. O crime de incêndio é muito difícil de provar, porque as provas ficam destruídas. É muito difícil provar que foi A ou B que colocou o incêndio. Por outro lado, sabemos que alguns incêndios são colocados por via aérea. Se são os aviões de combate que os colocam? Não digo isso, mas digo que há incêndios que são colocados por via aérea. Se são as empresas de combate que os colocam não sei. Mas há pessoas que colocam incêndios por via aérea, há filmes disso. E sabe-se que muitos focos de incêndios nascem em zonas praticamente inacessíveis a não ser por via aérea.
Está a dizer que há todo um negócio à volta dos incêndios?
Há. Há um negócio à volta dos incêndios. Perguntou há pouco quem ganha com isto. Ganha por exemplo muita gente que vende equipamento de combate aos incêndios. Friso, mais uma vez, que não estou a dizer que são essas pessoas que pegam os incêndios. Quem ganha com os incêndios não é necessariamente quem os coloca. Pode ser ou pode não ser. Se os incêndios têm destruído fundamentalmente área de pinheiro, e se a área de eucalipto tem crescido, é perfeitamente legítimo que eu diga que uma das espécies que têm ganho com os incêndios é o eucalipto. Mas não estou a dizer que são as empresas de celulose que chegam os incêndios. Mas se me pergunta quem ganha com os fogos, digo que ganha quem combate, ganha quem vende equipamentos, ganha o eucalipto. Há outros que, não ganhando nada, colocam incêndios como vingança ou devido a perturbação mental.
[LER_MAIS] A madeira queimada é depois vendida a preços mais baixos. As indústrias que a compram não ganham também?
No curto prazo, a meio ano, as indústrias compram madeira mais barata. Porém, as empresas não podem ter mais fome do que barriga, isto é, se têm uma determinada capacidade produtiva instalada, não vale a pena estar a comprar madeira que não conseguem consumir. E que interessa ganhar dinheiro durante meio ano porque a madeira foi mais barata se no resto do ano não há madeira para trabalhar? Não é isto que interessa às empresas. O que lhes interessa é que haja uma floresta que seja capaz de ter uma produção mais ou menos equivalente às necessidades de consumo. O que não está a acontecer, já estamos a importar madeira.
Pensar a reflorestação das áreas ardidas é agora uma prioridade. Em que moldes deve ser feita?
Pensar a reflorestação significa pensar em mexer na propriedade. Não podemos ter propriedade de um, dois ou cinco hectares. Essa floresta não é viável do ponto de vista económico, porque não há economia de escala. Ninguém vai fazer investimento nesse tipo de floresta. O facto de ser pequena não permite uma gestão profissional e isso faz com que não seja igualmente possível abrir linhas de corta fogo, nem abrir os caminhos de acesso primário e secundário, para facilitar a vigilância, o combate e a própria exploração. Estamos ainda um século atrasados nesta matéria. É necessário mexer na propriedade, mas também nas espécies, para ter umas que cortam mais os incêndios, mas não se pode dizer aos proprietários que têm de plantar esta ou aquela espécie, porque não vão aceitar.
A solução é o Estado comprar as propriedades aos privados?
O Estado vai precisar de ter um instrumento público, como uma empresa, que tenha poderes para forçar a agregação de parcelas e a gestão profissional. Quer seja pela via da compra, pela via da permuta, do arrendamento ou do emparcelamento. Há muita gente que não sabe sequer onde ficam as suas parcelas. Outras têm dez herdeiros, ninguém se entende quanto ao que fazer. Não sei qual vai ser o governo que vai ter coragem de mexer nisto, mas vai ter de mexer. Pode ser uma ideia muito arrojada da minha parte, vista até como uma ideia de esquerda, por causa da questão da propriedade, mas se as pessoas não forem enganadas nem prejudicadas no negócio, o Estado tem de assegurar o interesse público, e até o privado. É preferível pagar ao privado um valor acima do valor de mercado [para comprar ou arrendar ou emparcelar] do que deixar que a floresta arda. Assim, nem o interesse público é acautelado nem os particulares têm rendimentos. Isto terá de ser feito em parceria com as autarquias. Tem de haver boas estradas, bons caminhos, porque a exploração e o combate não se fazem com carros de bois como antigamente, mas com camiões de grande dimensão. Também me parece que é possível fazer investigação e melhorar a qualidade das espécies, porque já há pinheiro que cresce de forma mais rápida.
Muitas associações empresariais, pela sua natureza, dimensão e objectivos, colocam hoje aos seus dirigentes grande exigência em termos de disponibilidade e envolvimento, exigência que também é colocada pelas empresas, a concorrer num mercado cada vez mais competitivo. Isto faz com que não haja pessoas disponíveis para o associativismo?
O meu grande envolvimento na associação é-me possível porque tenho dois irmãos que são meus sócios e tomaram conta das empresas, porque de outra forma seria para mim uma ruína do ponto de vista empresarial. A AIMMP não me permite, de todo, 'ter um olho no burro e outro no cigano'. Tenho de me dedicar a 100%. Uma associação desta dimensão e deste calibre exige um envolvimento muito forte do presidente da direcção. Tenho hoje uma visão muito pragmática sobre o associativismo, que tem coisas boas e menos boas. As associações têm um valor inestimável para qualquer sector de actividade. É necessário que o poder político reflicta um pouco sobre o associativismo empresarial. Quando as associações se tornam um barco bastante complexo, não há como não ter uma gestão profissional. Esta tem de ser assegurada pelos colaboradores e um director-geral muito forte ou pelos órgãos sociais, que terá de ter alguém que assuma um controlo mais forte. Não vale a pena vendermos a ideia de que é possível ser de outra forma. Não é. Quando cheguei vinha convencido que bastava uma tarde por semana e hoje chego todos os dias às 9 horas, saio às 20 e ainda levo trabalho para o fim-de-semana. É um trabalho a tempo inteiro, não se pode vir para este tipo de lugares a pensar que se faz em part-time. Não quando se trata de uma associação como a AIMMP, que representa um sector que exporta 2,4 mil milhões de euros, que tem cerca de sete mil empresas e 55 mil empregos directos.
Dedicação total à AIMMP
Formado em Administração e Gestão de Empresas pela Universidade Católica, Vítor Poças exerceu lugares de administração e direcção em várias empresas e instituições. É actualmente sócio-gerente da Madeipoças e da Afim Construções e Urbanizações.
Está a cumprir o terceiro mandato como presidente da Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal (AIMMP), associação de fileira com uma “representatividade muito forte”. Por inerência, é desde 2013 vice-presidente da CEI-Bois, a Confederação Europeia da Indústria da Madeira, sendo “o único português com um cargo desta dimensão num tão importante organismo internacional desta área”.
É também membro da direcção da Efic, confederação europeia da indústria do mobiliário. “Dedico 150% do meu tempo à AIMMP, porque a sua dimensão, notoriedade e envolvimento aos mais diversos níveis assim o exigem. Antes de assumir o cargo não imaginava que assim fosse”.