Quando escrevemos sobre atletismo é inevitável não recorrer ocasionalmente à frase que melhor resume a essência da sua prática, correr, saltar, lançar, do mesmo modo que usamos Citius, Altius, Fortius para falar dos Jogos Olímpicos. Mas o atletismo é muito mais que isso e seria redutor ignorarmos o enorme património cultural que reside na sua história, nas suas figuras, nos momentos em que ajudou a fixar na memória coletiva eventos que definiram uma época.
Já aqui falámos de alguns, desde Jesse Owens nos Jogos de Berlim em 1936 em plena época de expansão do nazismo até ao nosso Carlos Lopes que deixou um país inteiro acordado numa madrugada de agosto de 1984, em meados de uma década que mudou a história de Portugal. Muitos mais houve e não raras vezes nas minhas aulas, para ilustrar um ou outro aspeto histórico, recorro ao imenso baú de recordações que construí como apaixonado pela história do atletismo em particular e do desporto em geral para ajudar a formar uma memória e assim consolidar uma determinada matéria.
Também me sirvo desse património para explicar aos mais novos que existem vidas por trás de medalhas e títulos, exemplos de superação extraordinários e atletas que usaram não só o corpo, mas também a cabeça para fazer história. Citando mutatis mutandis o professor Manuel Sérgio, não há atletas, há pessoas que praticam atletismo. E muitas vezes o percurso de vida dessas pessoas é verdadeiramente inspirador e pode fazer a diferença na vida de alguém.
Falemos p. ex. de Dick Fosbury que não sendo fisicamente tão dotado para o salto em altura como os seus competidores usou a inteligência e os seus conhecimentos de física para desenvolver e aperfeiçoar uma técnica que na altura foi ridicularizada como excêntrica, mas que lhe valeu o título olímpico de 1968 e é hoje utilizada universalmente.
Falemos de Wilma Rudolph, nascida prematuramente e com poliomielite, 20ª de 22 irmãos, incapacitada de andar sem ajuda de um aparelho até aos 12 anos e que aos 20 anos em Roma foi 3 vezes campeão olímpica nas provas de velocidade. E quem conhece Al Oerter, 4 vezes campeão olímpico no lançamento do disco, nunca sendo favorito? Uma história de superação como poucas, o exemplo último do competidor nato que se transcende na hora certa.
Em 1956(com 20 anos) e 1960, contra adversários mais experientes e com melhores marcas, ganhou batendo o recorde pessoal na final. Em 1964 competiu lesionado e com dores e voltou a ganhar. Em 1968 no México, partiu como o sexto melhor do mundo e terminou novamente em primeiro com um novo recorde pessoal e à frente do recordista mundial da altura.
Estes e muitos outros campeões, do atletismo e da vida, são exemplos de virtudes e valores universais desesperadamente necessários num mundo cada vez mais carente deles.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990