Na biografia que disponibiliza na internet, Michael Jones McKean explica que no seu processo de criação emprega materiais tão diversos como “meteoritos ancestrais” ou “medicamentos psicotrópicos”. E, também, por exemplo, “barcos decadentes”. O próprio planeta Terra é matéria para o trabalho desenvolvido a partir de Richmond, nos Estados Unidos, em que o escultor de 47 anos, natural da Micronésia, no Pacífico, explora a natureza dos objectos em relação com o folclore, a tecnologia, a antropologia e a geografia. O projecto mais ambicioso em que se encontra actualmente envolvido – um projecto de dez anos, à volta do mundo – inclui um Tesouro Nacional português: a Criança do Lapedo, com 29 mil anos, achado obtido no concelho de Leiria que é um marco e um ponto de viragem para a ciência nos campos da arqueologia e da antropologia, e, em especial, nos estudos sobre a evolução, por ser o primeiro esqueleto a demonstrar vestígios de encontros passados entre populações distintas.
O currículo de Michael Jones McKean partilhado online também permite conhecê-lo como professor associado da escola de artes da Virginia Commonwealth University e autor de exposições nos Estados Unidos, França, Canadá, Alemanha, Grécia, Itália e Israel, com vários prémios, bolsas e residências, incluindo a Guggenheim Fellowship, o Nancy Graves Foundation Award e o Core Program do Museum of Fine Arts, em Houston.
E, agora, Leiria. Depois das colinas Pachón e Tololo no Chile, onde funciona um importante observatório astronómico, o sítio arqueológico do Abrigo do Lagar Velho é o segundo local a anunciar por Michael Jones McKean no âmbito de um projecto que só será revelado, na totalidade, ao fim de uma década. Chama-se Twelve Earths e é “uma escultura planetária que conecta 12 lugares dispersos ao longo de um anel perfeito”, em torno do globo, que, em conjunto, criam uma história da Terra – e entre os quais está o Abrigo do Lagar Velho, no Vale do Lapedo, freguesia de Santa Eufémia, onde em 1998 foi descoberto, numa sepultura preservada, o esqueleto (com 29 mil anos) de uma criança do Paleolítico Superior.
Michael Jones McKean tem passado alguns períodos no Vale do Lapedo, durante os últimos verões, a observar os arqueólogos. O artista norte-americano está a trabalhar num novo site com dados, imagens, vídeos e outros elementos sobre o Abrigo do Lagar Velho. Também pretende criar uma escultura para ajudar a contar a história do Vale do Lapedo e da descoberta da criança.
O interesse de Michael Jones McKean por Leiria está sobretudo relacionado com o fascínio pelos vários modos como o contexto do Vale do Lapedo e a descoberta da criança codificam e expressam a experiência humana profunda. Conforme o artista explica no site oficial, o projecto Twelve Earths ambiciona construir um sistema de pontos de contacto com pessoas, matéria e eventos e estabelecer encontros breves ou longos com energia, transmutação, emergência, geologia e tecnologia para revelar um retrato complexo e polivalente da Terra e ampliar e aprofundar um imaginário planetário. Ao longo dos anos, a obra de Michael Jones McKean tem abrangido o interesse por “pelo tempo profundo, pelas escalas de tempo e pelo seu colapso”, numa abordagem de descentralização dos “registos antropocêntricos de eventos, distâncias e significados”. Este processo de trabalho, segundo o escultor norte-americano, “desafia definições estáveis como real e réplica, natural e sintético, passado e futuro”.
Um achado único
Com estatuto de Tesouro Nacional desde 2021, a Criança do Lapedo, em depósito no Museu Nacional de Arqueologia, é o primeiro esqueleto preservado do Paleolítico Superior em Portugal – descoberto em 1998, ou seja, há 25 anos – e embora corresponda a um indivíduo juvenil moderno (homo sapiens sapiens) apresenta, igualmente, características morfológicas arcaicas que se aproximam das observadas nos neandertais, ou seja, contém o testemunho biológico de encontros entre as populações neandertais e homo sapiens sapiens (homem moderno), que se terão cruzado e gerado descendência, hipótese antes não admitida como credível.
Em Fevereiro, com a presença do ministro da Cultura, a Câmara de Leiria e a Direcção-Geral de Património Cultural assinaram um protocolo para a elaboração de um programa de interpretação e comunicação para o Vale do Lapedo. Foi constituída uma equipa coordenada pelo director do Museu Nacional de Arqueologia, António Carvalho, com o arqueólogo João Zilhão, o escritor Gonçalo Cadilhe e a arquitecta paisagista Aurora Carapinha.
Entretanto, no programa das Jornadas Europeias do Património, no próximo dia 21 de Setembro, quinta-feira, está prevista, no Facebook do Museu de Leiria, a apresentação do projecto de Michael Jones McKean sobre a Criança do Lapedo e o Abrigo do Lagar Velho.