Dos três moinhos de água que Maria Rosinda Martins conheceu no Pilado, na Marinha Grande, o seu é o único que se mantém no activo, tal como chegou à sua família, há mais de meio século. E hoje, tal como antes, é o mesmo espírito comunitário que o move.
Quem precisa ainda lhe bate à porta com sacos de milho, que Maria Rosinha, e o marido, Manuel Martins, com muito amor e pouca pressa, ajudam a transformar [LER_MAIS]em farinha. E será sempre assim, enquanto o casal de sexagenários tiver força para dar continuidade àquela que foi a grande paixão do pai de Maria Rosinda.
A moleira explica que o moinho ocupava grande parte da vida da sua família. O pai trabalhava numa fábrica de vidro e ali passava o tempo que lhe sobrava, a fazer farinha e a dar manutenção a cada peça do engenho. E a sua mãe, que era doméstica, tirava um dia por semana para andar pela localidade, de burra e carroça, a recolher milho da vizinhança.
“Quase toda a gente tinha o seu quintal e produzia milho. Assim como quase todos tinham os seus animais”, recorda Maria Rosinda. Pediam então à sua mãe que transformasse o cereal em farinha, ora mais fina, ora mais grossa, que tanto servia para cozer broa como para engordar os porcos. Em troca, a moleira ficava com uma pequena porção de farinha.
Hoje em dia, há padarias em toda a parte e fabricam-se rações de toda a qualidade. Mas no Pilado ainda há quem tenha milho e prefira transformá-lo no moinho de Maria Rosinda, seja para dar aos animais, seja para fazer papas e merendeiras em dias de festa. “Eu só gasto desta, é a melhor”, defende a moleira.
O engenho continua a funcionar todos os fins-de-semana e o casal mantém o mesmo sistema antigo de troca directa, guardando para si uma parte da farinha que mói para terceiros.
Além disso, a vontade de partilhar com a comunidade este ofício tradicional também se vê pelo número de crianças que, através das suas escolas, costumam visitar o moinho. Algumas delas até deixaram fotografias e um quadro que hoje adorna as paredes do interior desta estrutura, congratula-se Maria Rosinda.
Assim a pandemia permita retomar as visitas, que o casal de moleiros estará sempre disponível para abrir as suas portas às crianças e, com elas, manter viva uma arte da qual têm “muito orgulho”.
Processo moroso: longas horas do grão à farinha
Ser moleiro exige tempo, paixão e até algum investimento, explicam Maria Rosinda e o marido. Basta verificar que, até obter 10 quilos de farinha, é preciso esperar, pacientemente, não menos de três horas.
Além disso, o moinho não trabalha bem nem quando a água é muita nem quando ela escasseia. Quando “embola” são precisas horas para o colocar de novo em acção. E quando a pedra da mó está demasiado polida, é preciso picá-la toda até lhe devolver aderência.
A moega, onde se deposita o milho, e até o sistema de roda dentada de madeira, que trabalha no subsolo, não são eternos. De vez em quando estragam-se e dão chatices, frisa Manuel. Sorte a de Maria Rosinha que tem um primo carpinteiro, e um marido que, desde que namoram, aprendeu a dominar o ofício.
Hoje, com boa parte do engenho renovado, tecto e soalho novos, pinturas feitas, há condições para manter o moinho vivo por mais tempo. Entretanto, os netos do casal já são visita regular e gostam de ver como tudo funciona, congratula-se Maria Rosinda.