Às vezes penso. Às vezes desejava não pensar. Às vezes gostava de ser o filho que José Mário Branco – um esquerdalho, como agora nos chamam – manda ir para a cama descansado porque “há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante enquanto tu adormeces a não pensar em nada”.
Se em 1979 esta frase do que viria a ser o épico tema “FMI” era irónica até ao tutano, hoje não menos irónica é. Como poderemos nós descansar se sentimos a guilhotina do ódio apontada aos nossos pescoços? Sou de uma geração privilegiada que cresceu a acreditar que o Homem não repetiria os erros do passado.
Que nunca mais haveria guerras, nem genocídios, nem chacinas inqualificáveis. Crescemos a acreditar que a desmilitarização dos Estados era proporcional à vontade dos povos viverem em harmonia, que o futuro construía uma sociedade próspera, mais em valores humanos que materiais, que não haveria lugar ao racismo, que as pessoas tinham a liberdade de serem felizes, independentemente da sua cor, género, instrução, orientação sexual ou credo.
Afinal, e aos olhos de hoje, sinto que sou de uma geração que acreditou num logro. Ainda assim, acreditámos, e crescemos nesse bem-estar. Mas falhámos. Falhámos porque desvalorizámos os primeiros sinais do ressurgir da extrema-direita e continuámos a acreditar que a memória histórica colectiva estancaria o seu crescimento. Nós, os esquerdalhos, que só queríamos um mundo mais igualitário, solidário, fraterno, pacífico, tolerante, livre, feliz, e mais humanista, falhámos.
O homem é a criação mais fascinante da natureza mas também é o seu cancro mais abrasivo. Se calhar não era mau de todo, doravante, sermos
governados pela Inteligência Artificial que, claramente, revela mais bom senso, ética e humanidade que muitos dos líderes mais poderosos do planeta que estão a levar-nos para a “neandertalização” total da nossa espécie.
Entretanto, em Amesterdão, uma horda de israelitas adeptos do Maccabi de Tel Aviv entoava cânticos hediondos: “Porque é que as escolas estão encerradas em Gaza? Porque já não há lá mais crianças!”. A desumanidade atingiu este calibre pulhice. É isso, Netanyahu, nós, os esquerdalhos, é que somos radicais.