Durante o ensaio do projecto Estações Efémeras, imagina-se que o guru dos novos tempos a que o actor Rui Raposo Costa dá voz chega ao Açude dos Caniços em cima de uma prancha de stand up paddle. E não lhe faltam ideias: um Stonehenge de madeira em Leiria, um grande cais para o teleférico “que um dia será erguido” até ao santuário da Senhora da Encarnação, uma roda gigante inspirada na atracção turística de Londres. “Um enorme Leiria Eye, em que as cabines, sempre que vão abaixo, mergulham no rio”.
Depois de Figueiró dos Vinhos e Ansião, o Estações Efémeras acontece em Leiria, com duas semanas de residência artística e apresentação ao público no domingo, 15 de Outubro, pelas 16 horas, na Cascata dos Caniços, acessível a partir do percurso Polis.
O espectáculo é constituído por oito solos, que incluem novo circo e teatro de formas animadas. Procura-se uma casa para a garça do Lis e os animais do rio começam um golpe de estado para acabar com a poluição. Numa das cenas, que parece retirada do Antigo Testamento, Diogo Binnema caminha sobre as rochas que emergem da água e constrói um altar em que garrafas de vidro e de plástico são os elementos de adoração – lixo recolhido ali mesmo, no local, ao longo dos últimos dias. “A força de um Deus reflecte-se na quantidade de pessoas que acreditam nele”, comenta o actor. “Se toda a gente usa plástico, se toda a gente usa vidro, se toda a gente usa alumínio, tudo isso contribui, de uma forma ou de outra, para deixar atritos e se propagar cada vez mais pelo mundo, desde o topo do Evereste até ao mais profundo dos oceanos, até dentro de nós. Então, é a verdadeira forma divina”.
Dinamizado pelo Leirena, o Estações Efémeras obteve financiamento da Rede Cultura, através de concurso público com selecção por júri. A criação com a comunidade é um dos pressupostos do projecto. Em Figueiró dos Vinhos, artistas profissionais trabalharam com sete associações locais e em Ansião estiveram envolvidas a filarmónica, a universidade sénior e a Misericórdia. Em Leiria, participam actores do Leirena, antigos estudantes do Instituto Nacional de Artes do Circo de Famalicão, Tânia Chavinha do Manipulartes e utentes do Lar de Santa Isabel, que protagonizam um dos quadros na Cascata dos Caniços.
“O ponto de partida é o espaço natural”, explica Frédéric da Cruz Pires. “Como é que a arte pode apropriar-se e entrar em diálogo com estes cenários?” As Fragas de São Simão no concelho de Figueiró dos Vinhos, o rio Nabão em Ansião e a Cascata dos Caniços em Leiria. “Temos um oásis aqui”, sinaliza o director artístico do Leirena. “Estamos no meio de uma cidade, infelizmente, olhamos para o chão, as pessoas não estão a cuidar deste espaço, que é de todos”, aponta. “Não nos podemos esquecer que este rio existe, temos de olhar para ele de outra forma”.
No Estações Efémeras há “um lado de intervenção” que coloca em relevo “o património” e “a identidade cultural”, por outro lado, pretende-se proporcionar tempo para criar, pesquisar e errar, salienta Frédéric da Cruz Pires. “Eles são os responsáveis dos seus solos. Isto é muito importante para um artista”.
Em 2024, é já certo que o Estações Efémeras vai acontecer no Agroal, no concelho de Ourém.