Sábado, pelas 21 horas, há jogo em Turquel. A hora é a do costume, a prova é que não. A equipa do concelho de Alcobaça vai receber os franceses do SCRA Saint-Omer em desafio da primeira mão dos oitavos-de-final da Taça CERS, competição europeia de hóquei em patins.
E porque estamos a falar de encontros, este é ainda mais especial. O público vai encher o pavilhão, como sempre na vila, mas desta vez haverá no ar – e até no rinque – uma carga emocional maior.
É que o bruto dos queixos Xavier Lourenço – os cidadãos de Turquel têm orgulho neste epíteto que alegadamente lhes foi atribuído por serem muito francos no dirimir de conflitos e historicamente muito corajosos, até do ponto de vista físico – vai regressar pela primeira vez a casa envergando a camisola de um outro emblema.
Xavi tem como lema de vida não ser perfeito, mas feliz. E no início de 2016/17, então com 21 anos, decidiu aventurar-se pelo estrangeiro. Assinou pelo PAS Alcoy, da principal competição espanhola, e gostou da experiência. De tal forma que quis mais.
Apareceu então a oportunidade de rumar a outro campeonato, desta vez o francês, menos mediático, mas que tem estado a surpreender o hoquista pela competitividade. “É um campeonato com qualidade e só não tem equipas tão dominadoras com o FC Porto, Sporting e Benfica.”
Em Saint-Omer, cidade de 20 mil habitantes próxima da fronteira com a Bélgica, onde só o frio o incomoda, conta com a companhia de um ex-colega no Hóquei Clube de Turquel na equipa que lidera o campeonato gaulês, sem derrotas. Só que enquanto ele está em França para marcar golos, Eduardo Leitão quer evitá-los.
O guarda-redes de Peniche começou a jogar no Stella Maris e mudou-se para Turquel nos escalões de formação. Em 2014 sagrou-se campeão europeu de sub-20 por Portugal e na temporada passada alinhou no Sporting Marinhense.
O regresso à Aldeia do Hóquei está, pois, a deixar um friozinho na barriga dos meninos. Sobretudo na de Xavi, que é mesmo da terra e tem toda a família ligada ao clube. Se não, vejamos: o tio Nélson é treinador no clube e o pai Osvaldo ajuda na Direcção. As tias Sílvia e Paula são seccionistas e as primas Catarina e Cláudia, de dois e sete anos, já envergam, orgulhosas, as cores do clube.
Naquela vila, de resto, rara é a pessoa que não confunde os primeiros passos com as primeiras patinadelas. “No dia em que comecei a andar meteram-me uns patins nos pés e uma colher de pau nas mãos. Como vivia a 150 metros do pavilhão, estava sempre por lá, com o meu pai, o meu tio ou alguém da família”, recorda o atleta.
[LER_MAIS] Mas, no sábado, todas as “belas recordações” vão ter de ficar do lado de fora do rinque. Xavier sente-se preparado para o jogo. Sabe que vai ser “difícil”, “estranho”, mas “especial”, até porque vai jogar contra alguns dos melhores amigos.
“Espero ser bem recebido. Praticamente todos os jogadores do Turquel foram meus colegas de balneário. Sei o que eles valem, como se comportam, mas eles também sabem o que eu e o Eduardo valemos.”
Lá dentro, quando o árbitro apitar para o início da partida, vai esquecer as amizades. “Quem me conhece sabe que dou tudo pelo clube onde estou. Independentemente de jogar naquela que é a minha casa, vou para ganhar e dar tudo pelas cores que represento.”
A família, sentada na bancada, não vai ficar dividida, acredita. “Não! Independentemente de irem para lá com o cachecol do Turquel, querem é que o menino da família ganhe.”